domingo, 28 de junho de 2015

O dente é um produto da mastigação

O dente é um produto da mastigação




S
ilva Mello, um dos maiores médicos do século XX, argumentava que qualquer processo de mastigação que exija trabalho de grande intensidade constitui, no que diz respeito à saúde bucal – e, portanto, à saúde integral, pois não é senão a boca um resumo de todo o organismo humano –, constitui a mastigação, dizíamos, o fator mais importante, “pois o dente, como vimos, deve ser, antes de tudo, um produto direto da própria mastigação.”

O médico brasileiro cita o trabalho de J. D. King sobre os efeitos da mastigação:

 “Primeiramente, King estudou a questão no furão (Rutatorius furo), que se torna vítima da formação de tártaros e outros processos de parodeontose, quando não tem à disposição alimentos duros para mastigar, tais como ossos, tendões, cartilagens, etc. Dando-lhes, porém, quaisquer desses alimentos, tais processos de degeneração são evitados, ou corrigidos quando já existentes.”

Silva Mello ainda nos remete às memórias de A. von Haller:

“A. von Haller conta que na sua excursão pela África, indo da Nigéria para o Congo Francês, teve como empregado um rapaz de 17 anos, sadio, bem proporcionado de corpo, ao qual, numa refeição, deu um pedaço de carne cozida, dizendo-lhe que o resto era para os cachorros. Mas Haller admirou-se, vendo-o atirar quase toda a carne para os animais, guardando para si apenas a parte com osso, que se pôs a triturar com satisfação. O viajante avisou-o de que poderia quebrar assim os dentes, ao que respondeu, sorrindo, que, como os cachorros, sabia o que era bom. Mais tarde, quando deram em honra desse hóspede civilizado, raro naquelas regiões, uma festa com a assistência de mais de duas mil pessoas, não viu ele, por todos os lados, senão dentaduras brancas, perfeitas, esplêndidas, que sobressaíam pelo riso na fisionomia dos negros.”

Em um seu artigo intitulado Sobre a possibilidade de melhoria dos dentes pelo emprego de uma alimentação mais natural, ensina Silva Mello:


“...a mastigação atua como um excitante da produção da dentina, que se vai formando à medida que a erosão se processa, protegendo assim a superfície livre da coroa. O processo é tão poderoso que Price dele conseguiu tirar partido, fazendo a cárie retroceder graças à formação de dentina nas lesões já existentes. Isso por meio de uma alimentação rica de sais e vitaminas e que exigia mastigação intensa, habitual nos povos primitivos.”

Liquidificador, obra-prima da civilização

Liquidificador, obra-prima da civilização

H
oje, quando assistimos à onda dos sucos verdes, dos sucos desintoxicantes, dos sucos energéticos, dos sucos emagrecedores, dos sucos sei lá de que casta, as advertências do extraordinário esculápio que foi Silva Mello acerca do aparecimento do liquidificador elétrico caem como uma luva sobre aqueles que fazem dos alimentos líquidos ou pastosos sua profissão de fé:


“O liquidificador elétrico, aparelho que apareceu recentemente no nosso comércio e que vai tendo imensa aceitação, é encontrado com frequência mesmo no lar de pessoas de poucos recursos, por uma intensa propaganda e pelo processo de pagamento em prestações. Por meio dele obtêm-se rapidamente, com a máxima facilidade, sucos de frutas, legumes, verduras e outros alimentos, que, por muitas razões, só ganhariam em ser bem mastigados. Trata-se, portanto, de mais um degrau descido nessa péssima tendência para ingerirmos alimentos líquidos, em papas, mingaus e pirões, tão em desacordo com o nosso passado alimentar e as necessidades do nosso organismo.”

O Gastrocolonialismo

O Gastrocolonialismo

Gilberto Felisberto Vasconcellos

A
 abordagem de Silva Mello sobre o dente, que vem 
perdendo a função de mastigar, decorre de outra perspectiva mais inclusiva: a da alimentação industrializada, que desnaturaliza o alimento sob a égide do sistema de produção de mercadoria.

Em todos os seus livros a ruína dentária aparece como consequência da alimentação artificial regida pela propaganda comercial.

A obra silvamelliana é a reflexão clínica e humanista acerca da conexão entre fagos, o estômago, e a mercadoria – espécie de denúncia de um gastrocolonialismo.

A boca é um resumo de todo o organismo humano. Boca. Corpo. Cultura. Tudo se reflete no dente.


A boca do brasileiro é muito mais reveladora do que somos como sociedade do que o PIB. Cada dente espelha o conjunto biológico do que somos. Nisso, como em outros tantos assuntos biopsicológicos, Silva Mello se destacará pelos seus geniais pioneirismos científicos. 

O retrocesso da cárie graças a uma alimentação mais autêntica

O retrocesso da cárie graças
a uma alimentação mais autêntica
Dr. Silva Mello


E
m tempos mais recentes, tem-se verificado que a saliva sofre alterações profundas pela alimentação, de tal maneira que os dentes são influenciados tanto diretamente pelo seu contato, quanto pela ação dos humores internos atuando sobre a própria estrutura dentária. É o que tem sido demonstrado por meio de isótopos radioativos, que podem ser acompanhados na sua excursão através do organismo.

Nessas condições, conseguiu-se demonstrar que minerais, sobretudo o fósforo e o cálcio, podem circular através da textura dentária, quer na dentina da coroa e das raízes, quer no próprio esmalte, principalmente pela ação da saliva. Isso veio explicar os resultados obtidos por Price quando fazia cessar ou mesmo retroceder a cárie dentária graças a uma alimentação mais primitiva e mais natural. Ao lado de uma redução drástica do açúcar e das farinhas descortinadas, ele recomendava o emprego do pão completo, tanto quanto possível fabricado com o cereal moído recentemente, e também o uso de peixe e de outros produtos marinhos, sobretudo de seus órgãos internos, e manteiga enriquecida com vitaminas pela adição do óleo de fígado de bacalhau.





Os efeitos da mastigação sobre o ouvido, os dentes e os olhos

Os efeitos da mastigação sobre o ouvido, os dentes e os olhos


O
 Dr. Silva Mello relacionou à falta de mastigação intensa – provocada pela introdução de alimentos refinados na alimentação humana – o aumento das doenças do ouvido, dos maxilares, do olho e do nariz, assim como a necessidade do uso de verdadeiras muletas, a exemplo da prótese, do aparelho de audição e dos óculos com graus acentuados.

Num capítulo de seu livro O que devemos comer, ele comenta:

“Eu pessoalmente admito dever existir aí uma relação direta de causa e efeito, suposição que faço partindo de uma observação extremamente simples, que qualquer pessoa pode reproduzir em si própria, em qualquer momento. Para isso, basta colocar a extremidade livre de um dedo qualquer, por exemplo, o mínimo ou o indicador, no orifício auricular, para tampá-lo, executando depois os movimentos de mastigação. É impressionante sentir a movimentação que sofre a poupa do dedo, parecendo que o ouvido encontra-se sob um intenso processo de massagem. Acredito que esse movimento que sofre o ouvido pela mastigação não pode deixar de influir poderosamente sobre o órgão auditivo e, também assim, sobre a sua função. Se a falta de mastigação se tem traduzido por uma degeneração dos dentes e dos ossos do crânio, não é evidente que essa mesma causa deverá ter influência sobre o ouvido, como torna plausível a experiência que acabamos de relatar e que é de ação tão poderosa?”