segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Ode ao Dente-de-Leão

Ode ao Dente-de-Leão
 “Hoje, mais do que nunca, o dente-de-leão assume o papel de símbolo da resistência contra a guerra declarada à natureza pelas grandes corporações. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na campanha publicitária da Monsanto em torno do herbicida Roundup (glifosato).”










N
unca me esquecerei da batalha que fui obrigado a travar contra uma espécie vegetal quando era ainda um pirralho.  A época: meados da década de 1960. O lugar: subúrbios da Filadélfia. A ação: o Sr. Edward Esko, meu pai, atribui a meu irmão Jeffrey e a mim a tarefa de arrancar dentes-de-leão do jardim de nossa casa. É primavera, e estimulados pelo cálido sol do médio-Atlântico, dentes-de-leão de um amarelo brilhante salpicam o gramado verde até há pouco imaculado.

A cada primavera, desde que se mudara para o subúrbio, o Sr. Edward dedicava grande parte de seu tempo àquele jardim, plantando grama e árvores, incluindo a sempre-viva e a cerejeira e o bordo japoneses. Àquela época, um jardim bem cuidado era símbolo de status. Como milhões de outros suburbanos do pós-guerra, o Sr. Edward provavelmente viu os dentes-de-leão como intrusos que interferiam negativamente na estética de seu gramado.

Nossa primeira campanha contra os dentes-de-leão foi decididamente de baixa tecnologia. O Sr. Edward adquiriu uma ferramenta semelhante a uma chave de fenda com um garfo de dois dentes na extremidade inferior. Em turnos alternados, ajoelhávamo-nos em frente aos dentes-de-leão e enterrávamos o garfo da ferramenta no solo. Ao acionar a outra extremidade do objeto, a planta era forçada a deixar o terreno. Mas vencer a pertinácia do dente-de-leão em permanecer na terra exigia uma força muscular considerável. Uma vez expulsa, a planta, incluindo a raiz, a haste, as folhas e as flores amarelo-ouro, era jogada sem cerimônia no saco de lixo.

A campanha seguinte contra os “invasores” já contou com uma tecnologia mais sofisticada. Não satisfeito com o método anterior, dependente de esforço braçal, o Sr. Edward decidiu-se por uma solução química, adquirindo numa loja da região um tubo plástico cheio de herbicida. Na extremidade inferior do tubo havia uma espécie de agulha projetada para permitir a pulverização do líquido tóxico. Bastava pressionar o dispositivo preso à sua extremidade superior para que o veneno se espalhasse pelo solo.

Encarregados de dar vida ao plano macabro, Jeffrey e eu fomos instados a interromper nossa prática de guitarra e, muito contrariados, partimos em direção ao jardim.  Diante de cada dente-de-leão, seguimos os passos recomendados pelo fabricante do engenho sinistro. Logo intuímos que algo estava errado. Os dentes-de-leão, coitados, até então firmes, vívidos e esplendorosos, não tinham a mínima chance: atingidos pelo herbicida, murchavam e finavam-se. Não havia necessidade de arrancá-los.  Bastava pulverizar o líquido funesto e...   adeus, dentes-de-leão!

Iniciei-me na macrobiótica no começo dos anos 1970, e a partir daí aprendi cada vez mais a valorizar o dente-de-leão, a bardana, as algas marinhas, o kuzu e outros vegetais selvagens usados como alimento e remédio. Jamais me perdoei por ter sacrificado aqueles dentes-de-leão nos anos 1960. Depois de décadas, graças à influência da macrobiótica, o Sr. Edward tornou-se mais sensível aos movimentos que preconizavam uma volta à natureza. Ele acabou percebendo a importância da macrobiótica para o futuro do planeta e patrocinou várias de nossas atividades, incluindo palestras e publicação de livros, até sua passagem em 2014 aos noventa anos de idade.

Ao longo dos anos, aprendi a preparar e apreciar as folhas de dente-de-leão. Elas são especialmente benéficas na primavera. Anos atrás, numa encantadora manhã de primavera, colhi dentes-de-leão de nossa propriedade em Berkshires. Depois de limpá-los diligentemente, refoguei suas folhas no óleo de oliva com um pouco de alho e, por fim, temperei tudo com molho de soja orgânico. O resultado foi um prato simples, energético e... delicioso! As folhas de dente-de-leão têm um sabor incrivelmente intenso. De tempos em tempos, compro folhas de dente-de-leão orgânicas em entrepostos naturais, repito a receita e experimento o mesmo prazer.

Durante séculos, as folhas e as raízes do dente-de-leão têm sido consideradas como tônico para saúde. Os dentes-de-leão estão repletos de nutrientes, entre eles as vitaminas A, C, E, K, niacina e riboflavina e os minerais cálcio, potássio, ferro e manganês. Constituem eles uma fonte riquíssima de betacaroteno. Suas flores douradas contêm lecitina, substância que ajuda a desintoxicar o fígado.

O líquido leitoso e branco que escorre de seu caule era tradicionalmente usado para aliviar as dores causadas por picada de abelha. Com suas raízes, prepara-se um chá tonificante do fígado e da vesícula biliar. Pode este chá ser usado também como desintoxicante geral. Os benefícios do dente-de-leão são tão numerosos, já se vê, que seria impossível mencionar todos eles aqui. Basta dizer que, negligenciando este tesouro do reino vegetal, a sociedade moderna mostra-se totalmente cega às virtudes terapêuticas da mãe natureza.

Hoje, mais do que nunca, o dente-de-leão assume o papel de símbolo da resistência contra a guerra declarada à natureza pelas grandes corporações. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na campanha publicitária da Monsanto em torno do herbicida Roundup (glifosato). O glifosato é o herbicida mais usado do planeta. Culturas modificadas geneticamente, tais como a soja, o algodão e o milho, foram criadas para multiplicar a venda do Roundup, agrotóxico cada vez mais relacionado a danos à saúde humana e ao meio ambiente.

No famoso comercial da Monsanto, um solitário dente-de-leão brota de uma fenda de calçada num subúrbio qualquer. Um sujeito surge com um frasco de Roundup nas mãos. Anexada ao frasco vê-se uma pequena mangueira. O sujeito parece estar furioso com a “praga” que cresceu em sua calçada. Vociferando que “a única praga boa é a praga morta”, direciona a mangueira para o dente-de-leão e sobre ele borrifa o agrotóxico. Boom! O dente-de-leão murcha e morre. Ouve-se então uma guitarra elétrica típica dos filmes de cowboy...

Paradoxalmente, assim como pesquisas apontam o Roundup da Monsanto como um possível causador do câncer, outros estudos revelam as propriedades anticancerígenas do dente-de-leão. Testes com o extrato da raiz de dente-de-leão estão em andamento no Windsor Cancer Centre, no Canadá. Ao tratamento de trinta pacientes com linfoma e leucemia foi incorporado um extrato especial de raiz de dente-de-leão. Para obter informações sobre tais pesquisas com o dente-de-leão, acesse http://www.cbc.ca/news/canada/calgary/calgary-anticancer-tea-1.3370691.

Proponho aos que se opõem à Monsanto ao redor do mundo que adotem o dente-de-leão como símbolo de sua louvável atitude. Na verdade, proponho que batizem o movimento de Resistência Dente-de-Leão.

Os leitores que desejarem usufruir os benefícios do dente-de-leão podem preparar suas folhas de várias maneiras. Elas podem ser cozidas no vapor, refogadas com azeite, alho e shoyu ou usadas em saladas. E com a raiz de dente-de-leão faz-se um café tonificante especialmente indicado para doenças cardíacas e desequilíbrios do sistema nervoso.

Ed Esko