domingo, 25 de setembro de 2011

Macrobiótica e Produtos Animais (Última Parte)

Metamorfose 18
Publicação do Restaurante Metamorfose Alimentação Recondicionadora Autêntica
Rua Santa Luzia 405/207, Castelo, Rio de Janeiro. Tels.: 2262-6306 e 2532-0084
Edição, redação, revisão e tradução: Laercio de Vita


Macrobiótica e Produtos Animais (Última Parte)
                                                        Carl Ferré
                   
                    “Não somente está a macrobiótica limitada à dieta,
                                 mas também  a  própria dieta macrobiótica está limitada.”


PROBLEMAS COM A EXCLUSÃO DE PRODUTOS ANIMAIS


A abstenção de produtos animais leva as pessoas que precisam ingeri-los para recuperar a saúde a se negarem a fazê-lo ou a se preocuparem excessivamente.

Meu amigo Joe precisou comer frango para livrar-se do mal que o abatia. Ele abandonou a macrobiótica por conta disso; ou seja, jogou no lixo um sistema filosófico inteiro em decorrência de tê-lo compreendido superficialmente. Quantas pessoas não rechaçam a macrobiótica justamente por causa da concepção limitada que têm dela?

Conheço pessoas às quais foi indicado o consumo de produtos animais que não frutos do mar. Enfrentei o mesmo dilema há anos. Decidi incluir algum produto animal por certo período, o que sem dúvida me ajudou. Guiei-me pelos princípios macrobióticos acerca de que e quanto comer. Não é tão difícil como alguns imaginam.

Outro problema quanto à abstenção de produtos animais é que muitos educadores macrobióticos os inclui em sua dieta particular. Anos atrás, assisti a uma maravilhosa palestra de um professor de macrobiótica sobre as muitas razões para evitar laticínios. Fiquei tão impressionado que fui ao camarim agradecer-lhe pessoalmente. Qual não foi minha decepção quando o surpreendi comendo flocos de cereais embebidos no leite. Chocado fiquei ao ver que ele não praticava o que pregava.

Anos depois descobri o porquê de tal procedimento ao participar de um encontro de líderes macrobióticos. Em determinado momento, alguém perguntou quantos de nós não haviam ingerido, nos dois meses que antecederam o encontro, um ovo ou qualquer outro alimento de origem animal que não frutos do mar. Apenas um entre os sessenta líderes levantou o braço. Fiquei confuso. A justificativa foi que, em se tratando de professores, nada havia de errado no uso de produtos animais, uma vez que eles conheciam os princípios macrobióticos da qualidade e quantidade.

Comecei a pensar que ingerir produtos animais é aceitável quando conhecemos os princípios macrobióticos, e não o é quando os ignoramos. Por que não deixar isso claro às pessoas que se iniciam na macrobiótica? Por que lhes não explicar como ingerir produtos animais de forma adequada (em vez de lhes dizer que devem evitá-los a todo custo)?

A macrobiótica compreende um conjunto de princípios universais que podem ser aplicados em qualquer dimensão da vida. Mas tem-se ela identificado tanto com um tipo de dieta curativa, que os princípios foram empuxados para a coxia. A macrobiótica tornou-se limitada e deixou de corresponder à definição de “macro” presente nos dicionários (muito amplo em dimensão, alcance e capacidade). Não somente está a macrobiótica limitada à dieta, mas também a própria dieta macrobiótica está limitada.


COMO INCLUIR PRODUTOS ANIMAIS


Esta seção oferece critérios para incluir produtos animais tendo por base a filosofia macrobiótica. Tais indicações não pretendem sugerir a quem quer que seja a inclusão de produtos animais em sua prática macrobiótica. O incluí-los deve ser o resultado de uma cuidadosa deliberação. Depende de cada um de nós a decisão de incluí-los ou não.

Condição: Produtos animais provocam acidez, e é mais desgastante para o nosso corpo digeri-los do que digerir os vegetais. Por essa razão (e outras) é que pessoas com qualquer problema de saúde devem usar de cautela ou se consultar com um orientador qualificado antes de consumir produtos animais. E às pessoas saudáveis é aconselhável estudar profundamente a natureza e os efeitos dos produtos animais antes de ingeri-los.

Constituição: Enquanto algumas pessoas descobrem que é bom para elas ingerir alimentos de origem animal, outras descobrem que não é bom. Todos somos diferentes – não há nada idêntico no universo, e isso vale também para as pessoas. Muitos indivíduos com o tipo sanguíneo O relatam que se sentem melhor ingerindo produtos animais, ao passo que indivíduos com o tipo sanguíneo A se sente melhor com uma dieta vegetariana.

Propósito: O propósito de alguém ao aplicar os princípios macrobióticos em sua vida diária influencia diretamente na questão de incluir ou não produtos animais. Pessoas que adotaram a macrobiótica em busca de desenvolvimento espiritual deveriam seguir o que Ohsawa e Aihara recomendaram para esse caso: quanto mais alimento vegetal e menos animal, melhor. Pessoas cujo objetivo consiste em curar uma desordem deveriam observar os mesmos conselhos, a menos que haja uma necessidade específica por causa de sua condição singular.

Atração: Lembro-me de uma reunião em nosso acampamento anual durante a qual Cornellia falava aos homens enquanto Herman entretinha as mulheres. Um dos presentes perguntou a Cornellia o que as mulheres buscam num homem. Ela olhou em redor, e sentenciou: “Vocês todos estão extremamente yin!” Ela encorajava-nos a ingerir mais alimentos yang, incluindo produtos animais se necessário fosse. Sua opinião era que não nos encontrávamos suficientemente yang para atrair as mulheres. Podemos discordar de Cornellia, mas não do princípio da atração dos opostos.

Qualidade: Na hora de escolher um alimento, o que devemos considerar, antes de tudo, é a sua qualidade. Na minha opinião, a importância da qualidade se amplia quando se trata de produtos animais. Devemos escolher alimentos isentos de substâncias químicas, pesticidas, aditivos e conservantes. A regra básica é: quanto menos alterado melhor. Tal princípio elimina a maioria dos produtos animais encontrados em supermercados. Escolha animais que se encontram livres para comer por toda parte e que se alimentam somente de produtos orgânicos. Visite, se possível, a granja ou o sítio. Carne de caça significa, em geral, melhor qualidade.

Quantidade: Ohsawa ensinou: “Quantidade compromete qualidade.” Penso que usar um pouco de produto animal como ingrediente numa receita, é o melhor caminho. Por exemplo: um ovo caipira na feitura de um pão de milho. Como sempre, o segredo consiste em comer e beber somente o que é necessário para manter uma condição saudável e alcançar os objetivos. Se alimento de origem animal é necessário para sua condição, ou se você o  deseja ingerir em pequena quantidade, uma boa ideia é comprar ossos numa loja de produtos orgânicos e preparar uma sopa com eles e vegetais variados. Dessa forma, os minerais dos ossos ficam disponíveis sem o excesso de gordura presente na carne.

Yin/Yang: Embora sejam considerados muito yang, os produtos animais contêm fatores yin e yang. A gordura da carne é yin, e sempre representa a substância mais difícil de processar ou contrabalançar. De acordo com os caminhos saudáveis de comer e beber divulgados por Ohsawa, se produto animal faz parte da refeição, menos grão e mais saladas, frutas e sobremesas devem ser consumidos.

Mudança: Tudo muda. A macrobiótica ensina a flexibilidade e a adaptação. Devemos adaptar as técnicas culinárias aos alimentos que escolhemos preparar. Devemos contrabalançar alimentos yin com alimentos yang e vice-versa. Há muitos ensinamentos nos livros de culinária macrobiótica sobre como dominar tal alquimia. Tudo que tem um começo tem um fim. Se começamos a ingerir produtos animais, chegará certamente o tempo em que deixaremos de fazê-lo; e mais tarde, o tempo em que seremos, outra vez, atraídos por eles.

Frente/Dorso: Tudo que possui uma frente possui um dorso; quanto maior a frente, maior o dorso. Ohsawa advertiu-nos de que qualquer coisa que é benéfica pode ser prejudicial – quanto maior o benefício, maior o dano potencial. Seguir cegamente um conjunto de regras rígidas sem compreender a teoria é demasiado perigoso. Ingerir produto animal sem ter um conhecimento apropriado e sem tomar as devidas precauções não constitui exceção.



CONSEQUÊNCIAS


Um dos conceitos básicos da macrobiótica é que tudo o que comemos e bebemos tem consequências. Ohsawa ensinou que o melhor mestre é a experiência. Seu conselho era: “Experimente e constate.” Seja o que for que escolhamos para comer e beber, o importante mesmo é avaliar as consequências desse ato. Se determinado alimento causa desconforto ou doença, é natural que o desejo de comê-lo ou bebê-lo diminua.

Mas consequências há também que se originam do nosso modo de pensar e ensinar. O proprietário do prédio onde funciona a George Ohsawa Macrobiotic Foundation disse-me certa vez que apreciava sobremodo nosso trabalho, que nos admirava pelo fato de estarmos ajudando muitas pessoas a recuperar e a manter a saúde. Mas logo acrescentou que preferiria viver mais dez anos deleitando-se com carnes e pizzas a viver mais trinta sob uma dieta macrobiótica austera. Já na soleira da porta, ele virou-se e arrematou: “É claro que daqui a dez anos eu poderei estar num hospital chamando por vocês.”

Naquele exato momento, perdi eu uma oportunidade de ouro. Naquela época, eu estava tão concentrado na dimensão curativa da macrobiótica, que o deixei cruzar a porta e desaparecer. Não aproveitei o interesse que ele demonstrara pela macrobiótica. Deixei escapar a oportunidade de explicar-lhe que os princípios macrobióticos poderiam ser usados por ele mesmo enquanto comia carnes e pizzas. Em vez de fechar-lhe a porta, eu poderia ter-lhe aberto outra, aproveitando o momento e mudando a direção de seu pensamento.

Comamos ou não produtos animais, nada impede que lhes reconheçamos o valor e aceitemos as pessoas independente daquilo de que se alimentam. A macrobiótica não constitui um conjunto de regras rígidas, mas sim uma filosofia da mudança, da flexibilidade, da adaptabilidade aplicável a todas as dimensões da vida. Todas as expressões da macrobiótica são valiosas e necessárias. Quanto mais aceitamos o diferente, maior liberdade e regozijo experimentamos.