domingo, 14 de julho de 2013

Mikoto Nakazono: um discípulo heterodoxo de Ohsawa

Mikoto Nakazono:
um discípulo heterodoxo de Ohsawa
          


“A língua é a melhor e a pior de todas as coisas.”
 Esopo

D
evo a um amigo do Novo México a descoberta de Mikoto Nakazono, um discípulo heterodoxo de Ohsawa. Nakazono conheceu Ohsawa em 1950, e permaneceu a seu lado, aprendendo-lhe o método, por mais de uma década. Não sei de outro seguidor de Ohsawa que tenha convivido com o mestre durante tanto tempo. Michio Kushi, como sabemos, nem sequer frequentou a Maison Ignoramus*, e mesmo Tomio Kikuchi por lá não se demorou mais que cinco anos. Não deixa de ser inquietante, portanto, saber que o discípulo mais obstinado tornou-se também o mais heterodoxo.

Nakazono acompanhou Ohsawa em sua lendária viagem à Índia. Aguilhoado à variante rígida da macrobiótica, Nakazono não a abandonou quando ele e Ohsawa aportaram àquelas plagas. Não tardou, porém, que percebesse as pernas lhe traírem; quanto mais passavam os dias, mais os membros fraquejavam. Foi então que o inesperado aconteceu. Certa manhã, pelas ruas de Madras, Nakazono deparou um vendedor de leite de coco e atreveu-se a ingerir um copo da bebida. Súbito sentiu-se melhor. Não pensando duas vezes, atirou-se sobre o segundo copo e sorveu-o completamente. Minutos depois, viu retornar-lhe às pernas a vitalidade.

Na mesma cidade de Madras, Ohsawa projetou um dispensário e incumbiu Nakazono de cuidar de aproximadamente quarenta doentes. Ao discípulo cabia até mesmo (e sobretudo!) a preparação do alimento de acordo com as prescrições de Ohsawa. Nakazono notou, no entanto, que os doentes não respondiam satisfatoriamente às orientações do mestre. Lembrando-se da experiência com o leite de coco, deu-se conta de que era necessário introduzir algumas modificações a fim de ajustar as receitas ao meio geográfico em que se encontravam. Mais tarde, teve de reconhecer a insuficiência dessas mesmas mudanças: era fundamental considerar também as particularidades de cada enfermo.

Além dessas vivências na Índia, houve outras que marcaram profundamente a trajetória de Nakazono. Testemunhou ele, por exemplo, a morte de amigos que, gravemente enfermos, seguiram cegamente os conselhos de Ohsawa. Viu, por outro lado, companheiros seus, nas mesmas condições, alcançarem bons resultados praticando descontraidamente a macrobiótica.

Mas talvez a experiência mais impactante tenha a ver com o nascimento de seu segundo filho. Nakazono não foi poupado de ver a crianças nascer com má formação óssea na região do quadril – desgraça causada por uma profunda deficiência de cálcio.

Em busca de seu próprio caminho, Nakazono deixou a companhia de Ohsawa e foi ao encontro de Koji Ogasawara, mestre de Kototama, o Princípio das Vibrações Sonoras. Ogasawara empenhou-se na tradução dos mais antigos e secretos escritos japoneses, os registros Takeuchi, compostos na língua arcaica Yamato. Guardavam esses registros os ensinamentos do Princípio Kototama.

Depois de muito estudar o Princípio das Vibrações Sonoras, Nakazono realiza o tour de force experimental de que resultarão suas principais descobertas. Ingeria ele um alimento e  em seguida procurava perceber-lhe as vibrações que interagiam com nosso organismo. Aplicando este método, Nakazono chegou a uma catalogação originalíssima dos alimentos tendo em vista seus ritmos e seus efeitos sobre nossos órgãos e sistemas.

Como profundo conhecedor do Princípio Kototama, Nakazono afirmava que as vibrações das palavras ou capturavam a verdadeira essência dos fenômenos a que se referiam ou a deixavam escapar. Se a capturavam, representavam efetivamente a realidade; se a deixavam escapar, não eram mais que um engodo.

O Yin e o Yang, por exemplo, são em geral objeto de confusão. A palavra Yin possui uma vibração contrativa, embora na macrobiótica seja usada para indicar expansão. Por outro lado, o termo Yang possui uma frequência expansiva, ainda que para os macrobióticos signifique concentração. Se estes conceitos são mal compreendidos, adverte-nos Nakazono, o nosso senso de realidade é alterado e a verdade não pode ser atingida. A macrobiótica ressente-se desse mal-entendido, instalado já em seu nascedouro.

A crítica de Nakazono à macrobiótica, contudo, não era absoluta. Ele louvava Ohsawa por ter enfatizado o uso de alimentos naturais, e não hesitava em lançar mão de alguns preparados macrobióticos em suas orientações. Prevenia-nos, no entanto, de que a macrobiótica não levava em conta suficientemente as diferenças ambientais e individuais, o que a tornava uma dieta padronizada e nada flexível.

Por mais que se tenha afastado de Ohsawa, ao menos num aspecto o ex-discípulo permaneceu-lhe fiel. Ohsawa insistia em que “Todos os grandes homens são autônomos e fizeram-se por si mesmos.” Não é outra coisa que nos diz Nakazono: “Não seja jamais um títere. Tente as coisas por si mesmo e veja como o afetam, e então transmita o resultado aos seus semelhantes. Não há outro caminho.”




*Maison Ignoramus (Casa dos Ignorantes), nome dado por Ohsawa à sua escola.

Diferença entre Religião e Igreja

     



        “De tempos em tempos, vem Deus à Terra e funda uma nova religião. Sucede que o diabo vem logo em seguida e faz dela uma Igreja.”

Vivekananda