domingo, 6 de outubro de 2019

Sagen Ishizuka: A Potência Transformadora do Alimento (Parte última)



Sagen Ishizuka:

A Potência Transformadora do Alimento
(Parte última)
                                                                                                                                                      Ronald Kotzsch




Mas os interesses de Ishizuka não se restringiam aos indivíduos. Os padrões alimentares, garantia ele, determinam também a qualidade de vida das famílias e das sociedades. Shoku-Yō, portanto, figura como um poderoso instrumento para os lares, comunidades e nações, tanto quanto para os indivíduos.

Deste ponto de vista, Ishizuka analisa a situação do Japão após a Restauração Menji. Ele observa que, desde a introdução da cultura ocidental, as condições físicas e espirituais da população japonesa têm declinado. O tipo físico dominante tem sofrido mudanças: os japoneses estão ganhando centímetros e quilogramas. A saúde da população deteriorou-se. Doenças como tuberculose e beribéri vitimam um número cada vez maior de pessoas. No passado, a expressão zukansokunetsu (“pé quente, cabeça fria”) indicava saúde e constituía o padrão entre os japoneses. Em meados do Período Menji, a condição da maioria da população é justamente o oposto – “pé frio, cabeça quente” –, comprovando o processo de degeneração e enfraquecimento fisiológicos por que passa a nação.

A conduta e os valores também degeneraram. As pessoas tornaram-se intelectualmente embotadas, moralmente confusas e faltas de direção. O Japão de outrora, distinguia-se por seus valores espirituais. Ishizuka invoca os termos kokoro (“coração” ou “mente”) e ōrishugi (“altruísmo”) a fim de significar a ética da gratidão, do respeito, da humildade e do autossacrifício que predominava no arquipélago. A partir de 1868, esses valores foram sendo substituídos por jūrishugi (“egoísmo”), uma ética do materialismo, da vaidade, do hedonismo; da indiferença para com o próximo; e da desconsideração para com a sociedade. Seidō, o “caminho da honradez” estava cedendo lugar a gon-dō, “o caminho da conveniência”. Ishizuka advertiu que o egoísmo e o mercantilismo tendiam a dominar o mundo.

Ishizuka não tinha dúvidas de que a causa desse declínio físico e moral se encontrava na mudança dos hábitos alimentares da nação. Desde o começo do período moderno, o Japão passou a fazer uso de alimentos como carne, laticínios, ovos, batatas, pão e açúcar refinados. Alguns desses alimentos talvez fossem adequados aos habitantes do Norte da Europa, cujo clima é seco e frio; mas não são apropriados para os japoneses. No ambiente mais quente e úmido do arquipélago, a dieta adequada consiste em arroz, vegetais e frutos do mar. Adotar a dieta ocidental, importar alimentos do exterior ou cultivar espécies exóticas, tudo isso viola as leis da Natureza. O preço a ser pago pela nação é a perda da vitalidade e da harmonia fisiológica, psicológica e espiritual.

A solução para a crise do Japão reside em Shoku-Yō, isto é, no consciente e sistemático regresso aos padrões alimentares tradicionais. É necessário que a nação retorne à sua dieta tradicional: arroz integral como alimento básico, acompanhado de vegetais locais como complemento. Esses alimentos devem ser cultivados de acordo com os métodos tradicionais, que utilizam apenas fertilizantes orgânicos. Fertilizantes químicos, desenvolvidos na Europa e recém-introduzidos no Japão, destroem o natural equilíbrio mineral do solo e das plantas, alertava Ishizuka. Importa ainda que a nação resgate a tradição de banhos terapêuticos, esquecida no período moderno. Por meio dessas medidas, poderia o Japão recuperar sua vitalidade fisiológica, moral e espiritual.

O sentido de missão de Ishizuka ia além de sua pátria. Na capa interna de Yōjōhō, lê-se a seguinte inscrição:

O alicerce do mundo é a nação.
O alicerce da nação é o lar.
O alicerce do lar é o corpo.
O alicerce do corpo é o espírito.
O alicerce do espírito é o alimento.

Ishizuka considerou a relevância deShoku-Yō para a saúde e bem-estar de todas as pessoas e nações. E ele a concebeu como a chave secreta de uma estável e pacífica ordem mundial. Indivíduos felizes e saudáveis formam um lar estável. Do mesmo modo, nações equilibradas e sãs podem dar origem a uma estável e pacífica comunidade internacional.

Sagen Ishizuka construiu uma notável carreira. Mesmo quem rejeita suas premissas e conclusões não pode deixar de reconhecer o alcance e a nobreza de sua obra.

·        Ele contestou os pressupostos da moderna teoria nutricional e apresentou uma nutrição ecológica, baseada na visão do homem como parte do ambiente natural e dele dependente.
·        Ele contestou os pressupostos da moderna medicina alopática, e apresentou um sistema terapêutico baseado em alimentos simples e na natural tendência do organismo em direção à cura.
·        Ele empregou em suas obras a terminologia da química e ciência modernas, e amparou sua visão em amplos dados empíricos – experimentais, históricos e antropológicos.
·        Ele nos legou uma abrangente teoria do desenvolvimento e comportamento humanos baseada na alimentação e na ideia de que o ser humano é um todo psicofísico.
·        Ele analisou os problemas de seu tempo a partir dessa perspectiva, e concebeu uma solução que poderia ser aplicada tanto ao Japão quanto ao resto do mundo.
·        Encontra-se, impulsionando todo o seu trabalho, o sonho de um mundo saudável e pacífico.

Como George Ohsawa afirma, Ishizuka foi um dos grandes pensadores do mundo moderno, e a publicação de seus livros representa, efetivamente, um evento mais importante do que a descoberta da América por Cristóvão Colombo. Talvez, um dia, seja isso amplamente reconhecido. Por enquanto, porém, Ishizuka permanece ignorado em seu próprio país. Seus escritos, cuja última edição conta já quarenta anos, estão fora de catálogo. Nos círculos macrobióticos do Japão e ao redor do mundo, é Ishizuka, quando muito, lembrado somente como uma figura importante do passado. O verdadeiro pai da moderna “macrobiótica” espera ainda pelo justo reconhecimento mesmo daqueles mais influenciados pelo seu legado.