sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Entrevista com Vandana Shiva


"Vandana Shiva alia a física quântica ao ativismo social para resistir pacificamente a um sistema que considera ter colonizado a terra, a vida e o espírito. Conta-nos como começou a defender a floresta, as sementes e os modos de vida e produção locais contra o controle e o registo de patentes feitos pelas multinacionais.
A análise de Shiva vai mais além: remete-nos para as profundas implicações que o sistema capitalista patriarcal tem na construção de um mundo desigual, com consequências dramáticas, como a fome ou as alterações climáticas, que, para Shiva, são sintomas de implosão de uma civilização que falha material e espiritualmente. A nossa civilização, para sobreviver, terá de rever o seu modelo de compreensão e de interação com o mundo, tendo como exemplo o conhecimento holístico das civilizações chinesa e indiana, que, para Shiva, sobreviveram à História essencialmente porque diferem do Ocidente na relação que estabeleceram com a natureza."





O Ventre: Nosso Segundo Cérebro


“O cérebro e seus neurônios são extremamente ricos em receptores de peptídeos, mas não são a única zona onde o corpo os concentra. Todo o nosso intestino está revestido com receptores, e é por isso que sentimos sensações no ventre – nosso segundo cérebro, que, na realidade, 'comanda' o colega mais nobre.”

 Raul Oscar Brugioni, Biólogo

A Área Absortiva do Intestino


“Devido às pregas da mucosa, às vilosidades e às microvilosidades na superfície das células, a área absortiva total do intestino é cerca de 600 vezes maior do que seria, caso não existissem essas estruturas: aproximadamente 550 m².”

Guyton, Fisiologia Humana.

A Nossa Raiz


“Falamos, em diversas ocasiões, sobre o aparelho digestivo, e repetimos muitas vezes nosso parecer sobre a importância do seu funcionamento e da sua estrutura, comparáveis à função das raízes das plantas. Essa nossa ‘raiz’ é exatamente a base das nossas funções fisiológicas. É por isso que afirmamos que qualquer doença tem sua origem nos órgãos digestivos.”
Tomio Kikuchi

Os “Esquecimentos” da Ciência


Os “Esquecimentos” da Ciência
Vandana Shiva
À
 medida que a biologia molecular se torna a fonte principal de técnicas para a indústria da biotecnologia, outras disciplinas da biologia definham e morrem. Estamos à beira de perder nossa habilidade de distinguir uma planta ou animal de outro e de esquecer como as espécies conhecidas interagem entre si e com seu meio ambiente.
As minhocas, por exemplo, estão entre as espécies cruciais para nossa sobrevivência. A agricultura depende da fertilidade do solo, e a fertilidade do solo depende enormemente das minhocas. Elas melhoram a fertilidade da terra depositando nela matéria fecal e aumentando sua permeabilidade ao ar e à água.
Em 1891, Charles Darwin publicou seu último trabalho, resultante de um estudo de uma vida inteira sobre minhocas, onde escreveu:
É possível duvidar de que existam muitos outros animais que tenham desempenhado um papel tão importante na história do mundo como o destas criaturas de organização inferior.
No entanto, conforme relata David Ehrenfeld, as pessoas treinadas em ecologia de minhocas estão desaparecendo:
No momento em que escrevo isto, existe apenas um único cientista trabalhando ativamente e familiarizado com a taxionomia das minhocas na América do Norte. Não existem mais estudantes de pós-graduação em taxionomia de minhocas nos Estados Unidos e Canadá. Cinquenta anos atrás, pelo menos cinco cientistas americanos, mais seus estudantes, trabalhavam nesse campo.
O exemplo das minhocas não é atípico. Quanto mais avanços fazemos, mais esquecemos. De que serve nossa tecnologia dispendiosa em um mar de ignorância?
Tão logo as prioridades se deslocam da necessidade social para o retorno potencial de um investimento, que é o principal critério de uma pesquisa comercialmente orientada, vertentes inteiras de conhecimento e aprendizado são esquecidas e entram em extinção. Embora esses diversos campos possam não ser comercialmente lucrativos, eles são socialmente necessários.  Como uma sociedade que enfrenta problemas ecológicos, precisamos de epidemiologia, de ecologia e de biologia evolutiva e do desenvolvimento. Precisamos de especialistas em determinados grupos taxionômicos, como micróbios, insetos e plantas, para responder à crise de erosão da biodiversidade. No momento em que ignoramos o útil e o necessário, e nos concentramos apenas no lucrativo, estamos destruindo as condições sociais para a criação da diversidade intelectual.

Como o Alimento nos Cria


Como o Alimento nos Cria
Michio Kushi

N
o processo da nutrição, nós fragmentamos o alimento de várias formas. Na verdade, essa fragmentação inicia-se com o ato de cozer, que amacia a textura rija dos alimentos crus e os torna mais digeríveis. O fenômeno continua com a ação mecânica da mastigação e com a ação eletroquímica da enzima ptialina, presente na saliva e responsável pela digestão dos amidos. Quando o alimento chega ao estômago, é ele então dissolvido por fortes ácidos e pela enzima pepsina, que digere as proteínas. Ao introduzir-se no duodeno, região entre o estômago e o intestino delgado, o alimento é banhado pela bile e pelos fluidos digestivos pancreáticos. A bile age sobre as gorduras, dissolvendo-as em partículas menores a fim de que sejam mais facilmente digeridas; e as enzimas pancreáticas agem tanto sobre as proteínas e carboidratos quanto sobre as gorduras.
Neste ponto, poderia um fisiologista considerar o alimento como estando ainda fora de nós. Embora no interior de nosso corpo, não foi ele ainda incorporado à nossa química pessoal, e, portanto, não difere do alimento pinçado por nossos dedos ou em contato com nossa pele. (Mas há exceções: algumas substâncias extremamente yin, tais como álcool, açúcar refinado e especiarias, são em geral absorvidas pela mucosa da boca e do estômago antes deste ponto.) Só depois que o alimento se introduz no trato intestinal é que ele ganha de fato o caminho para tornar-se parte de nós.
No intestino delgado, o alimento digerido entra em contato com as vilosidades intestinais – protuberâncias diminutas e porosas que permitem que os produtos finais da digestão passem através da parede intestinal e entrem na corrente sanguínea. Esse ingresso é preparado e auxiliado por milhões de micro-organismos – bactérias, leveduras e outras formas primitivas de vida – que povoam o intestino, pode-se dizer, com essa finalidade. Esta flora intestinal é semelhante aos micro-organismos relacionados a infecções; mas, enquanto esses últimos decompõem os excessos que devem ser expulsos do corpo, aquela decompõem nutrientes que devem ser introduzidos no corpo.
Uma vez absorvido, o alimento viaja pela corrente sanguínea. O sangue recém-enriquecido passa primeiro pelo fígado, onde é, por vários meios, avaliado e alterado quimicamente. Sua composição é assim ajustada tendo em vista satisfazer as necessidades do corpo em dado momento. Por exemplo, o açúcar desnecessário é estocado ou redirecionado para tornar-se triglicerídeo, combinação especial de gordura encontrada em humanos e animais. Aminoácidos livres podem combinar-se e formar novas proteínas completas, com o objetivo de ajudar, quando necessário, na reconstrução de estruturas corporais. Em sequência, o sangue assim regulado quimicamente é transportado para o coração e pulmões a fim de adquirir oxigênio e pressão física para circular por todo o corpo. Durante o curso da circulação, os rins, o pâncreas e outras glândulas endócrinas ajustam constantemente a composição do sangue, visando a satisfazer com precisão nossas necessidades.
 Finalmente, o sangue passa por vasos finíssimos, os capilares, para então entrar em contato com cada célula do nosso corpo. Neste nível celular os nutrientes dos alimentos alcançam sua destinação final. Energias concentradas no alimento são liberadas e utilizadas em certas atividades. Substâncias são usadas para criar novos tecidos e reparar ou refazer os tecidos velhos, mortos ou destruídos. Aqui o alimento, definitivamente, torna-se nós – nossa substância, nossa energia, nossa atividade. Nosso alimento é decomposto a partir da estrutura original de plantas, animais e outras manifestações do meio ambiente, é reduzido à sua essência microscópica, e depois, miraculosamente, recomposto numa forma inteiramente nova – nós próprios.
Mas não são apenas as calorias e proteínas que nos são fornecidas pelos alimentos. Há também qualidades menos óbvias, não mensuráveis, que se transferem para nossas células. E essas diferenças qualitativas mais sutis entre os diversos alimentos afetam profundamente nosso metabolismo, nosso comportamento e até mesmo nosso pensamento.  Por exemplo, podemos obter 500 calorias consumindo certa porção ou de cenoura, ou de açúcar, ou de álcool. Considerando tão somente o aspecto quantitativo, os três fornecem equivalente energia. Não obstante, experimentamos essas 500 calorias de maneira profundamente distinta.
Em virtude de suas naturezas distintas, cada um daqueles alimentos será metabolizado de maneira radicalmente diferente, e, portanto, produzirá tendências comportamentais completamente particulares. Valendo-nos de outro exemplo: podemos obter a quantidade diária recomendada de proteína quer exclusivamente de fontes animais, quer exclusivamente de fontes vegetais. O total de proteínas em gramas é idêntico; mas, como a maioria dos vegetarianos o sabe, cada grupo desses alimentos produz uma experiência bastante diferente.
Somos, literalmente, o que comemos. Ou mais precisamente: somos um reflexo rigoroso do meio ambiente em que vivemos, visto que o “eu exterior” – a Natureza – é transferido para o “eu interior” por meio do processo de nutrição.