quinta-feira, 29 de maio de 2014

Somos todos culpados pela ruína do planeta?

Somos todos culpados pela ruína do planeta?
Eduardo Galeano




A
 saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade. Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às empresas que tiram proveito dele. Mas as estatísticas confessam...

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os sete bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam dez planetas como o nosso para satisfazer todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível.


Mas os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, comentando o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

Diz-me o que comes, dir-te-ei o que és






Diz-me o que comes, dir-te-ei o que és.


Fernando Pessoa

A Arte de Enfiar o Pé na Jaca

A Arte de Enfiar 
o Pé na Jaca
                                                  Herman Aihara



P
ara a macrobiótica, até mesmo as escorregadelas devem proporcionar alegria. Mas para que isso aconteça é necessário dominar a Arte de Enfiar o Pé na Jaca. Em que consiste essa arte? Primeiro em jamais se sentir culpado. Sentimentos de culpa trazem mais danos à nossa saúde do que as escorregadelas propriamente ditas.

Embora tenha prometido nunca fazê-lo, Gandhi um dia ingeriu carne. Por um longo tempo sentiu-se culpado. Vá lá que ficasse envergonhado por não ter conseguido manter a palavra... Mas culpar-se? Sentimentos de culpa só brotam em terreno arado pelo dualismo. Quem vive em Deus jamais conhece esse estado da alma. (Admito, no entanto, que não é fácil chegar a uma visão unificadora da vida; logo, não se sinta culpado por sentir-se culpado).

Ingerir alimentos extremamente yin também fortalece o sentimento de culpa. Coma, portanto, a menor quantidade possível de bolos, tortas, refrigerantes, café, vinagre, álcool, frutas, etc.

O próximo passo é não farrear sozinho. Num festim com amigos, é bem mais fácil comer menos.

Em terceiro lugar, nunca coma três extremos, quer yin quer yang, consecutivamente. Podemos até ingerir sorvete e café, mas nunca sorvete, café e frutas; peixe e missoshiru, mas não peixe, missoshiru e queijo.

A última dica é não comer alimentos muito yin ou gordurosos três dias seguidos. Certa vez fui a Los Angeles para uma série de palestras. Terminado o evento, visitei um congresso de alimentação natural onde, por três noites consecutivas, me rendi ao cheesecake da vitrina. Qual não foi minha surpresa quando, no dia seguinte, no meio de uma conferência em San Diego, perdi completamente a voz. E levei quase uma semana para me recuperar daqueles cheesecakes! Se os tivesse comido apenas duas noites seguidas, não teria passado por aquele constrangimento.

Em suma, convidado para uma festa ou encontro, não tenha medo de comer o que lhe oferecerem. Uma escorregadela apenas não vai matar ninguém! É melhor manter um amigo que uma dieta. Não há dúvida de que a dieta é importante, mas segui-la de maneira inflexível não é nada sábio.

Se você dominar a Arte de Enfiar o Pé na Jaca, certamente sofrerá menos.

N.T.: A Arte de Enfiar o Pé na Jaca, ao que tudo indica, é das mais difíceis. O próprio Aihara não conseguiu dominá-la completamente, vindo a naufragar em viagem patrocinada por café e donuts.