segunda-feira, 30 de junho de 2014

O Dilema da Vitamina D

O Dilema da Vitamina D
Paul Pitchford*



Q
uase todos os interessados em nutrição já se defrontaram, nos últimos anos, com notícias sobre a deficiência de vitamina D que atinge a população mundial. Parte dessa deficiência está relacionada ao nosso estilo de vida contemporâneo de trabalhar e viver dentro de fábricas, repartições e escritórios durante a maior parte do dia e de aplicar protetor solar todas as vezes que há exposição ao sol por mais de poucos minutos. Fruto de uma equivocada interpretação da ciência, muitas pessoas hoje se sentem ameaçadas por um mísero raio de sol: pensam que a radiação solar as envelhecerá prematuramente e as tornará propensas ao câncer de pele. Desafortunadamente, com a falta de vitamina D em nosso sistema, um bom número de funções do nosso corpo diminui. Os ossos tornam-se mais fracos, e mesmo as atividades do RNA relacionadas à renovação celular ficam comprometidas. Sem renovação celular saudável, nós degeneramos muito mais rápido, e o câncer e as doenças autoimunes surgem no nosso horizonte como uma possibilidade.

Uma das soluções fáceis e rápidas da ciência para o dilema da vitamina D consiste na ingestão de suplementos. Há várias formas disponíveis de suplementos, sendo as mais comuns as que fornecem vitamina D2 e vitamina D3. Muitas reportagens assinalam que a vitamina D2 é perigosa e recomendam somente a vitamina D3. Algumas pesquisas mais recentes, porém, sugerem que a vitamina D3 também apresenta problemas. Estudos bem conduzidos, por exemplo, indicam que a ingestão de vitamina D3 em doses diárias superiores a 2.000 IU (recomendações de 4.000 a 5.000 IU são hoje extremamente comuns) pode resultar em excesso de cálcio no sangue, condição que, por sua vez, provoca calcificação dos tecidos moles tanto quanto perda óssea. E a calcificação dos tecidos moles é deveras conhecida na prática médica por causar doenças vasculares, tais como engrossamento e endurecimento das artérias; além disso, sabe-se que o excesso de cálcio contribui para o surgimento de doenças degenerativas, dentre as quais o câncer, o diabetes e a artrite – enfermidades de que nos protege, aliás, a vitamina D advinda da exposição da pele aos raios de sol.

Nós podemos aprender algo sobre os riscos da vitamina D dirigindo nossa atenção para outro nutriente também solúvel em gordura – a vitamina A. Por estarem as vitaminas A e D relacionadas, proveitoso é conhecer os riscos que a vitamina A comporta. Basta a ingestão de uma quantidade ligeiramente excessiva de suplementos de vitamina A/retinol para que vários danos ao fígado comecem a se manifestar. Ademais, a expectativa de vida tende a despencar com a suplementação prolongada de vitamina A. Por outro lado, a vitamina A disponível em vegetais verdes e amarelos (provitamina A), assim com aquela fornecida por alimentos de origem animal, é quase sempre segura e, de fato, altamente desejável. Contudo, fonte de vitamina D, o óleo de fígado de bacalhau hoje disponível contém geralmente muito mais vitamina A do que vitamina D – e um excesso de vitamina A perturba a função da vitamina D no organismo. Daí a atual recomendação de numerosas autoridades da área de saúde para evitar o óleo de fígado de bacalhau. O óleo de fígado de bacalhau dispensado aos infantes das gerações de outrora continha muito mais vitamina D.

À semelhança da vitamina A, serão os suplementos de vitamina D – mesmo quando usados em quantidades diárias inferiores a 2.000 IU – desaconselhados pela ciência futura por reduzirem a expectativa de vida? Nós simplesmente não o sabemos. Entretanto, estudos sugerem que a ingestão regular de suplementos com doses moderadas de vitamina D, de 400 a 600 IU diariamente, parece resultar em benefícios à nossa saúde, enquanto pouco ou nenhum efeito colateral produz. Tudo indica, portanto, que dosagens de 400 ou 500 IU são seguras para prevenção e manutenção da saúde daqueles que não podem obter a quantidade suficiente de vitamina D pela exposição ao sol.

Importa considerar ainda as diferentes formas de vitamina D. É notório que todas elas funcionam de maneira única, sem paralelo, mas as cápsulas, tabletes, líquidos e sprays de que nos utilizamos não apresentam, nem de longe, a ação inacreditavelmente complexa da vitamina D resultante da interação do sol com a nossa pele. Um nutriente isolado jamais funciona à maneira de outro presente num contexto natural, como a luz do sol e alimentos integrais. Qualquer nutriente isolado (incluindo fármacos e alimentos refinados) rouba do organismo cofatores imprescindíveis à completa metabolização dele próprio. Logo, deveríamos ser cautelosos ao ingerir não só suplementos de vitamina D, mas também qualquer outro nutriente isolado por um longo período.

Em minha opinião, lançar mão de substâncias isoladas, incluindo medicamentos, deveria ser um processo muito bem observado, aplicado somente em momentos de crise e deixado para trás logo que métodos mais seguros e naturais possam garantir uma condição saudável mais duradoura. O uso prolongado de fármacos, medicamentos ou mesmo nutrientes isolados leva a profundas deficiências. Aqueles que optam por uma considerável suplementação de vitamina D3 (por exemplo, 10.000 IU diariamente por 8 meses ou mais para dar conta de uma deficiência severa) deveriam ser examinados a cada 12 semanas por um médico, tendo em vista os possíveis desequilíbrios de cálcio e fósforo no sangue e desequilíbrios relacionados ao hormônio da paratireoide. Se você optar pela luz do sol, esses problemas raramente surgem. Ninguém é capaz de obter, por intermédio da exposição ao sol, mais vitamina D do que o necessário: os próprios raios de sol se encarregam de destruir o excesso de vitamina D assim que o nível ideal é alcançado.

De que forma podemos manter a quantidade suficiente de vitamina D sem suplementação? A maneira ideal é expor ao sol, por aproximadamente 15 minutos todos os dias, ao menos as mãos e a face, regiões do corpo onde está localizada a maior parte dos receptores de vitamina D. Expor braços, pernas e outras partes do corpo durante estações mais quentes ajuda-nos a armazenar vitamina D nas células por vários meses. Protetor solar ou, melhor ainda, roupas claras podem ser utilizados muito antes de a pele ser prejudicada. Encontram-se disponíveis hoje lâmpadas que emitem radiação ultravioleta B com o objetivo de produzir vitamina D confiável e segura – ainda que a exposição a tais lâmpadas deva ser monitorada, assim como os banhos de sol. Raios solares filtrados pelas nuvens também são eficazes, embora menos do que a luz direta do sol. (Saliente-se, no entanto, que nenhuma vitamina D é obtida dos raios de sol filtrados pelas vidraças.)

Assim, a questão da vitamina D é resolvida simplesmente com o permanecer fora de casa ou escritório durante o dia e por um período relativamente pequeno. Jardinagem, piqueniques, caminhadas, andar de bicicleta, nadar no mar, a tradicional prática ao ar livre de Qi Gong... há, como se vê, muitos caminhos que nos levam ao contato benéfico com o ambiente natural. Nós recebemos a valiosa energia vital (Qi, para a tradição chinesa) do ar fresco, dos vegetais, da terra, dos astros, incluindo o sol, que nos garante a segura e adequada vitamina D.

Quando deixamos prédios e carros e ingressamos em arrabaldes primitivos, puros e intactos, nós nos permitimos abraçar a dimensão unificada, não linear e não digital da Natureza. As cores vivas e impactantes das flores e plantas, seus aromas, a luz irradiada, a paisagem, o som do vento, dos pássaros, das folhas balançando, da chuva caindo, das ondas do mar morrendo na praia... tudo na Natureza é capaz de transmitir energia curativa a nossas mentes, emoções e corpos. Se nos tornássemos conscientes do Infinito na Natureza, certamente a respeitaríamos e desejaríamos fundir-nos com ela. Em vez de encararmos a exposição ao sol como uma tarefa obrigatória para obter vitamina D suficiente, deveríamos ficar contentes com a oportunidade de permanecer ao ar livre, pois ela nos permite apreciar a Natureza e receber seus benefícios ilimitados.

Uma abordagem complementar sobre a questão da vitamina D envolve aquela que o pioneiro Bernard Jensen chama “reserva de luz do sol”. Trata-se, naturalmente, da clorofila, substância produzida pela incidência dos raios de sol nas plantas e que lhes transmite a tonalidade verde. O Dr. Jensen recomendava aos convalescentes e a outras pessoas impedidas de tomar sol, a ingestão de bastantes folhas verdes. Entre essas, encontram-se as valiosas rúcula, salsinha, couve, mostarda, repolho, brócolis, dente-de-leão e outras mais. Pode a clorofila substituir completamente a luz do sol? Absolutamente não! Entretanto, a clorofila mimetiza a vitamina D proveniente da exposição ao sol: ela direciona o cálcio para os ossos, garantindo-lhes a inteireza desejável; ela auxilia na renovação celular, já que os alimentos que a contém apresentam “fatores reguladores do crescimento”, os quais concorrem para a diferenciação, desenvolvimento e crescimento adequados das células. O padrão celular saudável contrasta com o crescimento descontrolado, indiferenciado e maligno do câncer. Por isso, as fontes mais ricas de clorofila, como a grama de cevada e a clorela, são frequentemente usadas em terapias nutricionais contra o câncer. Assim como a vitamina D - que, por sua atuação nos genes, age contra dores, inflamações e depressão -, os alimentos ricos em clorofila também apresentam essa mesma característica, embora seu mecanismo fisiológico não seja ainda conhecido.

*Paul Pitchford é autor do volume  Healing with Whole Foods: Asian Traditions and Modern Nutrition.