domingo, 10 de março de 2019

Sagen Ishizuka: A Potência Transformadora do Alimento (Parte Quinta)


Sagen Ishizuka:

A Potência Transformadora do Alimento
(Parte Quinta)

                                                                                                                                             Ronald E. Kotzsch




Estimulado por essas fontes, Ishizuka decide mudar sua alimentação. Elimina a carne e o leite, e põe-se a comer arroz não polido como alimento principal. A doença, até então rebelde aos tratamentos modernos, cede diante da sabedoria ancestral.

Por volta de 1880, Ishizuka tinha já, segundo Ohsawa, formulado a base de sua teoria. Mas ele nada publicou à época,  só vindo a fazê-lo mais de uma década depois. Nesse ínterim, deu continuidade a seus estudos e pesquisas, acumulando dados que corroborassem suas ideias. Numa época obcecada pela ciência, foi ele, acima de tudo, um cientista. Procurou, além de testar e validar suas teorias, apresentá-las de um modo convincente. De qualquer maneira, ele e seu trabalho seriam recebidos com escárnio e ceticismo.

Nos anos seguintes Ishizuka continuou os experimentos em si próprio. Certa vez, com o intuito de determinar seus efeitos, alimentou-se exclusivamente com batata-doce durante um mês. Mas não deixava escapar a oportunidade de verificar em outros indivíduos os resultados de determinada alimentação. Como médico da cavalaria, era ele encarregado de recuperar os soldados feridos e doentes. Tentou várias dietas num recruta para saber qual delas estimulava mais sua recuperação. A saúde dos animais também ficava a seu cargo. Em dada ocasião, deparou-se-lhe um cavalo rebelde no acampamento. Ishizuka aboliu a ração de aveia e sal (uma alimentação humana, como ele argumentou) e permitiu que o animal pastasse sobre a grama selvagem. O cavalo tornou-se dócil e fácil de adestrar.

Ishizuka ainda ocupou-se com pesquisas antropológicas, algumas a partir de fontes indiretas. Ele lia tudo sobre os povos tradicionais espalhados pelo mundo – esquimós, mongóis, nativos de Kamchatka –, recolhendo principalmente informações a respeito de suas dietas, fisionomia e características dominantes. Nas forças armadas, ele observou soldados de várias partes do Japão e China. Manteve um registro cuidadoso e sistemático dos tipos físicos e raciais, e das dietas e comportamentos.

Ishizuka também levou a cabo experiências químicas, muitas das quais imaginativas, embora, para nosso olhar contemporâneo, algo primitivas. A fim de comparar a digestibilidade da gema e da clara do ovo, por exemplo, ele planejou uma experiência de laboratório com o missô. As bactérias presentes na pasta de soja fermentada assemelham-se àquelas que realizam a digestão no intestino humano. Ishizuka, então, misturou em um recipiente missô com a gema de ovo, e em outro missô com a clara de ovo. A gema decompôs-se mais rapidamente, sendo, portanto, considerada de mais fácil digestão. Em outra experiência, Ishizuka testou os efeitos do sódio na oxidação. Deixou ele de molho em água salgada uma corda, secou-a e, depois, mediu sua combustibilidade. A corda queimou mais lentamente do que outra inalterada. Ishizuka concluiu, pois, que o excesso de sódio no organismo inibe a oxidação. Além de pesquisar, lia revistas científicas publicadas no Ocidente.

Ishizuka também lia sobre história dos alimentos e sabedoria tradicional alimentar, sobretudo do Oriente. Seus estudos sobre o Budismo convenceram-no de que Sidarta Gautama proibira aos monges a ingestão de carne não apenas para evitar o sacrifício de uma vida, mas também para evitar os efeitos adversos da carne sobre o desenvolvimento espiritual. Buda, segundo ele, sustentava que a saúde é a condição natural do organismo humano e que os grãos são o alimento purificador por excelência. Os sábios chineses Confúcio e Mêncio já haviam advertido contra a ingestão de carne e outros alimentos similares. Ishizuka descobriu que durante o Período Han (207 a.C. – 220 d.C.), no ápice da civilização chinesa, o alimento básico era o arroz integral tostado cozido no vapor. Voltando-se para o Japão antigo, tomou conhecimento de que o Imperador Temmu (que governou o país de 673 d.C. a 686 d.C.) expedira uma ordem contra o consumo de animais domesticados, e que entre as leis do clã do samurai KiyomasaKatō (século XV) destacava-se a proibição do polimento do arroz. Informou-se ainda de que, até o período moderno, o costume nacional consistia em alimentar-se apenas duas vezes ao dia, prática que persistiu em certas regiões, como a província de Niigata, mesmo com a ocidentalização.

Em 1895, embora ocupando um alto cargo no Exército (era, o que não deixa de ser irônico, chefe do Departamento Farmacêutico), Ishizuka demitiu-se. Começou a praticar a medicina como profissão liberal e a preparar sua obra para publicação. Justamente nesse período, havia no Japão um movimento conservador e nacionalista. Os valores ocidentais, sobretudo os concernentes à moral e às relações sociais, estavam sendo questionados. Enfatizava-se a cultura tradicional japonesa e a conservação do Yamato-damashii. Talvez Ishizuka tenha sido encorajado por essa reação a apresentar suas ideias ao público.

De qualquer forma, em 1897 Ishizuka publicou seu opus magnum: KagakutekiShoku-YōChōjuron (Teoria Nutricional e Química da Longevidade). O volume, de 500 páginas, expõe os resultados de todos os seus estudos e pesquisas. Na primeira página ele anuncia seu propósito: “formular uma disciplina alimentar prática baseada em leis científicas.” E ele é fiel a esse objetivo. Sua teoria geral da fisiologia humana, do alimento, da saúde, da doença e da medicina fundamenta-se na relação entre os elementos químicos sódio (Na) e potássio (K). Ishizuka descreve as características dos dois sais e explica como eles controlam o funcionamento de todo o organismo humano. Ele fornece tabelas com a análise dos conteúdos de sódio e potássio nos vários alimentos, além de mapas com a distribuição geográfica desses últimos. Apresenta tantas informações científicas, que quase compromete a importância prática de seu livro.

Quando Ishizuka menciona práticas tradicionais e a sabedoria popular, ele deixa claro que seu objetivo é tão somente fornecer evidências comprobatórias. Sua teoria sustenta-se na química e ciência moderna. Ele não lança mão de termos tradicionais. Ohsawa, que introduziu a filosofia do Yin e Yang no movimento inaugurado por Ishizuka, alega que a teoria do sódio-potássio derivou dessa antiga classificação dos fenômenos. Embora Ishizuka tenha provavelmente sofrido influência do pensamento antigo, arraigado na cultura japonesa, ele não dá indicações que comprovem tal fato. Ele menciona os termos uma ou duas vezes, casualmente, e segue mantendo tanto uma abordagem quanto um vocabulário admiravelmente moderno e científico. Escrevendo em plena era da ciência, Ishizuka não se arriscou a comprometer sua mensagem com o uso de categorias e conceitos considerados obsoletos e supersticiosos.

Em 1898 um segundo livro vem a lume: ShokumotsuYōjōhō: IchimeiKagakutekiShoku-Yō Tai Shin Ron (Um Método para Nutrir a Vida por Meio do Alimento: Uma Incomparável Teoria Química e Nutricional do Corpo e da Alma). Ishizuka concebeu esta obra como um manual prático dirigido ao grande público, uma ferramenta para qualquer indivíduo obter “mais saúde, boa memória, desenvolvimento mental e tranquilidade espiritual.” Escrito em linguagem simples e direta, e omitindo a maioria das informações técnicas, o volume concentra-se nos caminhos práticos para se alcançarem a saúde e a longevidade. Ishizuka menciona alguns de seus experimentos e cita evidências históricas e antropológicas, mas em geral remete os leitores à sua primeira obra para maiores detalhes. Embora esclareça que o livro se baseie em rigorosa pesquisa científica, ele insiste sobre suas implicações na vida diária. Ao contrário do Chōjuron, este segundo livro contou com ampla distribuição, alcançando vinte e três edições.