domingo, 1 de setembro de 2019

Sagen Ishizuka: A Potência Transformadora do Alimento (Parte sétima)


Sagen Ishizuka:
A Potência Transformadora do Alimento
(Parte sétima)
                                                                                                                                      
                                                                                                            Ronald Kotzsch



Com o sucesso de seu segundo livro, viu Ishizuka sua fama crescer. Era ele assediado por uma multidão desde a aurora. Os enfermos batiam à sua porta de madrugada e disputavam cartões numerados para serem atendidos. A certa altura, teve que limitar-se a cem consultas por dia. O humilde e despretensioso Ishizuka, que insistia em anotar suas prescrições em tiras de papel usado, tornou-se conhecido em todo o Japão. Ganhou o epíteto de “antidoutor”, pois era capaz de curar só com alimentos até mesmo os desenganados pela medicina moderna. Com efeito, ele se recusara a lançar mão de quaisquer medicamentos e técnicas cirúrgicas. Ishizuka recomendava uma dieta baseada em arroz integral, embora prescrevesse arroz parcialmente polido àqueles com problemas digestivos. Para determinada pessoa, podia indicar um alimento suplementar específico – nabo comprido japonês, bardana, tangerina, etc. –, objetivando restaurar seu equilíbrio mineral. Para certas doenças prescrevia certos alimentos. Para alguém com digestão precária, por exemplo, receitava feijão azuki, algas marinhas e brotos de bambu. Para alguém com transpiração excessiva, sugeria algas hijiki.

A fama de Ishizuka chegou a tal ponto que as cartas endereçadas ao “Dr. Daikon” ou ao “Dr. Missoshiru” chegavam a ele sem problemas. Entre seus pacientes encontravam-se ricos e poderosos, membros da aristocracia, militares e políticos; mas também pobres e pessoas comuns. Em 1908, um grupo decidiu formar uma organização para promover os ensinamentos de Ishizuka. No dia do Festival de Outono da Nova Colheita de Arroz daquele ano, eles fundaram a Shoku-Yōkai ou “A Sociedade da Cura pelo Alimento”, nomeando Isizuka conselheiro. Esta foi, efetivamente, a primeira organização macrobiótica da história. Um centro se estabeleceria em Tóquio; reuniões mensais se realizariam no local; e uma publicação mensal, chamada Shoku-YōShimbun, viria a lume. Em sua capa, um subtítulo em Inglês anunciaria: “Uma publicação dedicada à promoção da Nova Ciência Química do Cerealismo introduzida pelo Sr. Ishizuka Sagen.”

Ishizuka permaneceu bastante ocupado, escrevendo, ministrando palestras, viajando e dando consultas em Tóquio e em outros lugares. AShoku-Yōkai cresceu, e filiais surgiram em outras cidades, incluindo Osaka, Shizuoka e Sendai. Em 1910, entretanto, Ishizuka desenvolveu catarro estomacal, resultado, segundo Ohsawa, do excesso de trabalho. Mas ele manteve os compromissos, e no dia do Festival da Colheita, dois anos exatamente depois da fundação da Shoku-Yōkai, expirou. Milhares de pessoas acompanharam seu cortejo fúnebre em Tóquio.

A obra de Ishizuka, como médico, está baseada na importância do alimento para a saúde humana. Mas ele compreendeu o alimento como fator-chave envolvido em todos os aspectos da vida. Não somente as condições fisiológicas de alguém, mas a sua constituição física, seus traços de personalidade, seus padrões psicológicos e mesmo seu nível espiritual são determinados pelo inter-relacionamento de certos minerais e, portanto, pela dieta. Na verdade, o que Ishizuka propõe é uma teoria geral da evolução e do comportamento humanos baseada no alimento. Para ele, a dieta de um indivíduo desempenha um papel crucial em sua vida moral, social, política e religiosa, tanto quanto em sua fisiologia. Seu próprio sentimento de missão e seus planos para a Shoku-Yōkai foram muito além da cura das doenças individuais.

Em Chōjuron, por exemplo, Ishizuka observa que os habitantes das áreas costeiras tendem a ser mais baixos e robustos e a ter a face mais esférica. Tais tendências, afirma Ishizuka, devem-se à relativa abundância de sódio no solo, ar, água e, consequentemente, no alimento. Nas planícies continentais, longe do litoral, e no alto das montanhas, o potássio predomina no ambiente e, portanto, nos alimentos e nas pessoas. Os habitantes dessas regiões tendem a ser mais altos e delgados e a ter a face mais ovalada. Falta-lhes a força física das pessoas com Na dominante, embora possuam mais resistência e flexibilidade.

O equilíbrio Na/k determina diretamente muito mais do que o tipo físico. Num gráfico apresentado em Yōjōhō, Ishizuka lista as seguintes características como sendo também resultantes da proporção entre aqueles minerais: altura, peso, ritmo de desenvolvimento, ritmo de amadurecimento, tempo de vida, tipo de voz, tipo de inflexão ao falar, temperamento, memória, rapidez de julgamento, capacidade de resposta emocional, queda para negócios, capacidade de guardar segredos, moralidade, tranquilidade e força de espírito, e bom coração.

A descrição de Ishizuka dos tipos Na-dominante e k-dominante é bastante profunda e específica. Os primeiros tendem a ser fisicamente ativos, agressivos e barulhentos. São materialistas, mundanos e ambiciosos. Seu modo de pensar é dualista, veem os opostos homem e natureza, bom e mal, espírito e matéria como absolutamente separados e mutuamente excludentes. Um forte desequilíbrio em Na, causado por uma alimentação rica em proteína animal, resulta em agressividade, ganância, crueldade e tendência para menosprezar os outros.

Os tipos K-dominantes, isto é, pessoas que vivem sob uma total ou quase total dieta vegetariana, são mais tranquilos, sensíveis e introspectivos. Seu ponto de vista é mais espiritual do que materialista, e seu pensamento flagrantemente monista. Eles veem os opostos como parte de um todo harmonioso, e percebem as contradições e conflitos como aparentes, e não como reais. Enquanto o desejo sexual num indivíduo Na-dominante tende a ser esporádico, tempestuoso e efêmero, num indivíduo K-dominante ele costuma ser constante, delicado e duradouro. Enquanto uma dieta rica em sódio desenvolve sai (astúcia mundana), uma dieta rica em potássio alimenta chie (sabedoria espiritual).

De acordo com Ishizuka, até mesmo o desenvolvimento de níveis mais altos de espiritualidade é controlado pelo alimento. Todos os grandes sábios e santos, segundo ele, viveram sob um regime de grãos integrais e vegetais cozidos com sal. O efeito do alimento é tão poderoso e sutil que cada grão produz diferentes tipos de desenvolvimento espiritual. Os níveis mais altos de espiritualidade surgem para aqueles que adotam o arroz integral como alimento básico. Os santos que comem trigo ou uma mistura de grãos desenvolvem um tipo de espiritualidade mundana, menos pura, mas que lhes permite lidar com as questões do dia a dia.

Portanto, o ser integral do homem, sua vida e destino dependem da seleção e preparação do alimento diário. Se ele elege uma dieta em consonância com seu meio natural e bem proporcionada de sódio e potássio, experimentará uma vida longa e saudável. Ele desenvolverá uma mentalidade generosa e expansiva; será naturalmente educado, virtuoso e capaz de se alegrar com a alegria dos outros. Terá boa memória e espírito elevado. Por outro lado, se adotar uma dieta que viola a ordem natural, tornar-se-á animalesco no corpo, na mente e no espírito. Pode o homem fazer-se a si mesmo um “fantasma faminto” (gaki), escravo de seus desejos, ou um “bodhisattva” (bosatsu), a encarnação do amor altruísta e da compaixão. O segredo reside no seu alimento diário. Shoku-Yō consiste, portanto, numa disciplina de vida crucial tanto para a mente e o espírito, quanto para o corpo. Destina-se a curar e aperfeiçoar o indivíduo como um todo, e não meramente eliminar os sintomas das doenças.