A
lição mais importante de Ohsawa
Herman Aihara
asci
no Japão meridional. Aos nove anos mandaram-me a Tóquio para viver com meu tio
e sua esposa. Como não tinham filhos, concordaram em adotar-me. Meus pais, que
eram pobres de recursos, eram ricos de rebentos; e, em determinada altura da
vida, tornou-se-lhes impossível sustentar a dezena de bocas que puseram no
mundo.
A zona rural onde nasci
era a própria imagem da tranquilidade – muito yin. Cresci sob a influência
dessa atmosfera serena. Mas Tóquio era um centro industrial. Bem próxima à casa
de meus pais adotivos havia uma fábrica, ou seja, havia agitação e barulho. E
minha mãe adotiva ainda insistia em que eu ingerisse peixe nas duas refeições
diárias. Fui tornando-me cada vez mais yang. Herdei uma constituição yin, mas
adquiri uma condição yang. Esses dois extremos digladiavam dentro de mim. Eu
não conseguia decidir que curso tomar. Se um dia acordava ledo, no outro
despertava macambúzio. Por longo tempo sofri dessa esquizofrenia resultante da
radical mudança em minha alimentação e circunvizinhança.
Quando terminei o colégio,
as garotas tornaram-se uma obsessão. Passei a frequentar prostíbulos e salões
de dança. Quando as tropas norte-americanas desembarcaram no Japão, o primeiro
sinal de ocidentalização foi o surgimento dos salões de dança para o entretenimento
de oficiais e praças. Febrilmente buscava eu esses salões. Embora eu ignorasse,
tal conduta não era senão o resultado da mudança de minha condição.
Internamente, eu interessava-me pelas coisas do espírito; externamente, eu só pensava
no belo sexo.
Preocupado, meu tio
decidiu casar-me. Escolheu ele uma garota e eu prontamente aceitei. Mas a
partir daí os problemas começaram: é que, recém-casados, fomos morar com meus
pais adotivos, e minha mulher e minha tia revelaram-se almas completamente
incompatíveis. Minha esposa não era absolutamente feliz. Mas eu ignorava o
quanto ela sofria, pois nada dizia para mim. Um dia ela deixou a residência de
meus pais adotivos e tomou uma dose excessiva de comprimidos para dormir com o
propósito de cometer suicídio. Foi encontrada morta poucos meses depois. A
tragédia tocou-me fundo, e eu praticamente enlouqueci. A única coisa que me
passou pela cabeça foi transferir-me para escola de Ohsawa. Eu tinha de
encontrar uma forma de permanecer vivo.
Naquela época, a escola de
Ohsawa contava com cerca de trinta estudantes. Aos estudantes cabia a execução
de várias tarefas, desde a publicação e venda da revista O Governo Mundial, até a limpeza do prédio. Eu, porém, não
conseguia fazer nada. Só tinha forças para comer, dormir e ouvir as preleções
de Ohsawa. Eu era o mais vagabundo dos alunos. Mas agarrei-me às palestras de
Ohsawa como um náufrago aos pedaços do barco destruído pela fúria do mar.
Compreender a mensagem do Sensei era, para mim, questão de vida ou morte. Durante
um mês eu escutei e escutei e escutei as palavras de Ohsawa. Durante um mês...
Mas passados os trinta
dias, tudo compreendi de um salto: compreendi que não sou apenas este Eu Individual, mas parte do Eu Universal. Cada célula contém uma
membrana que a separa das demais; mas, ainda assim, faz ela parte da comunidade
de células que forma o nosso corpo. Nosso corpo, por sua vez, é separado do
ambiente por uma membrana chamada pele, a qual, no entanto, não nos impede de
pertencer à comunidade humana que habita o planeta Terra. E a Terra, isolada
dos outros planetas pela camada atmosférica, uma espécie de membrana, não deixa
de integrar a comunidade de planetas que constitui o Universo. Células, seres
humanos, planetas, todos encontram limites num tipo de membrana; mas, em
essência, não formam senão uma COMUM-UNIDADE.
Em sua escola, Ohsawa não
ensinava como fazer cataplasma de inhame ou compressa de gengibre; não ensinava
como selecionar os alimentos; não ensinava como cozinhar (algumas vezes, a
comida era horrível). No Japão, eu nunca aprendi nada sobre yin e yang.
Mas eu aprendi uma coisa
com Ohsawa: que o Eu Universal é o Eu Verdadeiro.