Sagen Ishizuka:
A Potência Transformadora do Alimento
(Parte sétima)
Ronald Kotzsch
Com o sucesso de seu
segundo livro, viu Ishizuka sua fama crescer. Era ele assediado por uma
multidão desde a aurora. Os enfermos batiam à sua porta de madrugada e
disputavam cartões numerados para serem atendidos. A certa altura, teve que
limitar-se a cem consultas por dia. O humilde e despretensioso Ishizuka, que
insistia em anotar suas prescrições em tiras de papel usado, tornou-se
conhecido em todo o Japão. Ganhou o epíteto de “antidoutor”, pois era capaz de
curar só com alimentos até mesmo os desenganados pela medicina moderna. Com
efeito, ele se recusara a lançar mão de quaisquer medicamentos e técnicas
cirúrgicas. Ishizuka recomendava uma dieta baseada em arroz integral, embora
prescrevesse arroz parcialmente polido àqueles com problemas digestivos. Para
determinada pessoa, podia indicar um alimento suplementar específico – nabo
comprido japonês, bardana, tangerina, etc. –, objetivando restaurar seu
equilíbrio mineral. Para certas doenças prescrevia certos alimentos. Para
alguém com digestão precária, por exemplo, receitava feijão azuki, algas
marinhas e brotos de bambu. Para alguém com transpiração excessiva, sugeria
algas hijiki.
A fama de Ishizuka chegou
a tal ponto que as cartas endereçadas ao “Dr. Daikon” ou ao “Dr. Missoshiru”
chegavam a ele sem problemas. Entre seus pacientes encontravam-se ricos e
poderosos, membros da aristocracia, militares e políticos; mas também pobres e
pessoas comuns. Em 1908, um grupo decidiu formar uma organização para promover os
ensinamentos de Ishizuka. No dia do Festival de Outono da Nova Colheita de
Arroz daquele ano, eles fundaram a Shoku-Yōkai
ou “A Sociedade da Cura pelo Alimento”, nomeando Isizuka conselheiro. Esta foi,
efetivamente, a primeira organização macrobiótica da história. Um centro se
estabeleceria em Tóquio; reuniões mensais se realizariam no local; e uma
publicação mensal, chamada Shoku-YōShimbun,
viria a lume. Em sua capa, um subtítulo em Inglês anunciaria: “Uma publicação
dedicada à promoção da Nova Ciência Química do Cerealismo introduzida pelo Sr.
Ishizuka Sagen.”
Ishizuka permaneceu
bastante ocupado, escrevendo, ministrando palestras, viajando e dando consultas
em Tóquio e em outros lugares. AShoku-Yōkai
cresceu, e filiais surgiram em outras cidades, incluindo Osaka, Shizuoka e
Sendai. Em 1910, entretanto, Ishizuka desenvolveu catarro estomacal, resultado,
segundo Ohsawa, do excesso de trabalho. Mas ele manteve os compromissos, e no
dia do Festival da Colheita, dois anos exatamente depois da fundação da Shoku-Yōkai, expirou. Milhares de
pessoas acompanharam seu cortejo fúnebre em Tóquio.
A obra de Ishizuka, como
médico, está baseada na importância do alimento para a saúde humana. Mas ele
compreendeu o alimento como fator-chave envolvido em todos os aspectos da vida.
Não somente as condições fisiológicas de alguém, mas a sua constituição física,
seus traços de personalidade, seus padrões psicológicos e mesmo seu nível
espiritual são determinados pelo inter-relacionamento de certos minerais e,
portanto, pela dieta. Na verdade, o que Ishizuka propõe é uma teoria geral da
evolução e do comportamento humanos baseada no alimento. Para ele, a dieta de
um indivíduo desempenha um papel crucial em sua vida moral, social, política e
religiosa, tanto quanto em sua fisiologia. Seu próprio sentimento de missão e
seus planos para a Shoku-Yōkai foram
muito além da cura das doenças individuais.
Em Chōjuron, por exemplo, Ishizuka observa que os habitantes das áreas
costeiras tendem a ser mais baixos e robustos e a ter a face mais esférica.
Tais tendências, afirma Ishizuka, devem-se à relativa abundância de sódio no
solo, ar, água e, consequentemente, no alimento. Nas planícies continentais,
longe do litoral, e no alto das montanhas, o potássio predomina no ambiente e,
portanto, nos alimentos e nas pessoas. Os habitantes dessas regiões tendem a
ser mais altos e delgados e a ter a face mais ovalada. Falta-lhes a força
física das pessoas com Na dominante, embora possuam mais resistência e flexibilidade.
O equilíbrio Na/k
determina diretamente muito mais do que o tipo físico. Num gráfico apresentado
em Yōjōhō, Ishizuka lista as
seguintes características como sendo também resultantes da proporção entre
aqueles minerais: altura, peso, ritmo de desenvolvimento, ritmo de
amadurecimento, tempo de vida, tipo de voz, tipo de inflexão ao falar,
temperamento, memória, rapidez de julgamento, capacidade de resposta emocional,
queda para negócios, capacidade de guardar segredos, moralidade, tranquilidade
e força de espírito, e bom coração.
A descrição de Ishizuka
dos tipos Na-dominante e k-dominante é bastante profunda e específica. Os
primeiros tendem a ser fisicamente ativos, agressivos e barulhentos. São
materialistas, mundanos e ambiciosos. Seu modo de pensar é dualista, veem os
opostos homem e natureza, bom e mal, espírito e matéria como absolutamente
separados e mutuamente excludentes. Um forte desequilíbrio em Na, causado por
uma alimentação rica em proteína animal, resulta em agressividade, ganância,
crueldade e tendência para menosprezar os outros.
Os tipos K-dominantes,
isto é, pessoas que vivem sob uma total ou quase total dieta vegetariana, são
mais tranquilos, sensíveis e introspectivos. Seu ponto de vista é mais
espiritual do que materialista, e seu pensamento flagrantemente monista. Eles
veem os opostos como parte de um todo harmonioso, e percebem as contradições e
conflitos como aparentes, e não como reais. Enquanto o desejo sexual num
indivíduo Na-dominante tende a ser esporádico, tempestuoso e efêmero, num
indivíduo K-dominante ele costuma ser constante, delicado e duradouro. Enquanto
uma dieta rica em sódio desenvolve sai (astúcia
mundana), uma dieta rica em potássio alimenta chie (sabedoria espiritual).
De acordo com Ishizuka,
até mesmo o desenvolvimento de níveis mais altos de espiritualidade é
controlado pelo alimento. Todos os grandes sábios e santos, segundo ele,
viveram sob um regime de grãos integrais e vegetais cozidos com sal. O efeito
do alimento é tão poderoso e sutil que cada grão produz diferentes tipos de
desenvolvimento espiritual. Os níveis mais altos de espiritualidade surgem para
aqueles que adotam o arroz integral como alimento básico. Os santos que comem
trigo ou uma mistura de grãos desenvolvem um tipo de espiritualidade mundana,
menos pura, mas que lhes permite lidar com as questões do dia a dia.
Portanto, o ser integral
do homem, sua vida e destino dependem da seleção e preparação do alimento
diário. Se ele elege uma dieta em consonância com seu meio natural e bem proporcionada
de sódio e potássio, experimentará uma vida longa e saudável. Ele desenvolverá
uma mentalidade generosa e expansiva; será naturalmente educado, virtuoso e
capaz de se alegrar com a alegria dos outros. Terá boa memória e espírito
elevado. Por outro lado, se adotar uma dieta que viola a ordem natural,
tornar-se-á animalesco no corpo, na mente e no espírito. Pode o homem fazer-se
a si mesmo um “fantasma faminto” (gaki),
escravo de seus desejos, ou um “bodhisattva” (bosatsu), a encarnação do amor altruísta e da compaixão. O segredo
reside no seu alimento diário. Shoku-Yō
consiste, portanto, numa disciplina de vida crucial tanto para a mente e o
espírito, quanto para o corpo. Destina-se a curar e aperfeiçoar o indivíduo
como um todo, e não meramente eliminar os sintomas das doenças.
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