Sagen Ishizuka:
A Potência Transformadora do Alimento
(Parte última)
Ronald Kotzsch
Mas os interesses de
Ishizuka não se restringiam aos indivíduos. Os padrões alimentares, garantia
ele, determinam também a qualidade de vida das famílias e das sociedades. Shoku-Yō, portanto, figura como um
poderoso instrumento para os lares, comunidades e nações, tanto quanto para os
indivíduos.
Deste ponto de vista,
Ishizuka analisa a situação do Japão após a Restauração Menji. Ele observa que,
desde a introdução da cultura ocidental, as condições físicas e espirituais da
população japonesa têm declinado. O tipo físico dominante tem sofrido mudanças:
os japoneses estão ganhando centímetros e quilogramas. A saúde da população
deteriorou-se. Doenças como tuberculose e beribéri vitimam um número cada vez
maior de pessoas. No passado, a expressão zukansokunetsu
(“pé quente, cabeça fria”) indicava saúde e constituía o padrão entre os
japoneses. Em meados do Período Menji, a condição da maioria da população é
justamente o oposto – “pé frio, cabeça quente” –, comprovando o processo de
degeneração e enfraquecimento fisiológicos por que passa a nação.
A conduta e os valores
também degeneraram. As pessoas tornaram-se intelectualmente embotadas,
moralmente confusas e faltas de direção. O Japão de outrora, distinguia-se por
seus valores espirituais. Ishizuka invoca os termos kokoro (“coração” ou “mente”) e ōrishugi
(“altruísmo”) a fim de significar a ética da gratidão, do respeito, da
humildade e do autossacrifício que predominava no arquipélago. A partir de
1868, esses valores foram sendo substituídos por jūrishugi
(“egoísmo”), uma ética do materialismo, da vaidade, do hedonismo; da
indiferença para com o próximo; e da desconsideração para com a sociedade. Seidō, o “caminho da honradez” estava
cedendo lugar a gon-dō, “o caminho da
conveniência”. Ishizuka advertiu que o egoísmo e o mercantilismo tendiam a
dominar o mundo.
Ishizuka não tinha dúvidas
de que a causa desse declínio físico e moral se encontrava na mudança dos
hábitos alimentares da nação. Desde o começo do período moderno, o Japão passou
a fazer uso de alimentos como carne, laticínios, ovos, batatas, pão e açúcar
refinados. Alguns desses alimentos talvez fossem adequados aos habitantes do
Norte da Europa, cujo clima é seco e frio; mas não são apropriados para os
japoneses. No ambiente mais quente e úmido do arquipélago, a dieta adequada
consiste em arroz, vegetais e frutos do mar. Adotar a dieta ocidental, importar
alimentos do exterior ou cultivar espécies exóticas, tudo isso viola as leis da
Natureza. O preço a ser pago pela nação é a perda da vitalidade e da harmonia
fisiológica, psicológica e espiritual.
A solução para a crise do
Japão reside em Shoku-Yō, isto é, no
consciente e sistemático regresso aos padrões alimentares tradicionais. É
necessário que a nação retorne à sua dieta tradicional: arroz integral como
alimento básico, acompanhado de vegetais locais como complemento. Esses
alimentos devem ser cultivados de acordo com os métodos tradicionais, que
utilizam apenas fertilizantes orgânicos. Fertilizantes químicos, desenvolvidos
na Europa e recém-introduzidos no Japão, destroem o natural equilíbrio mineral
do solo e das plantas, alertava Ishizuka. Importa ainda que a nação resgate a
tradição de banhos terapêuticos, esquecida no período moderno. Por meio dessas
medidas, poderia o Japão recuperar sua vitalidade fisiológica, moral e
espiritual.
O sentido de missão de
Ishizuka ia além de sua pátria. Na capa interna de Yōjōhō, lê-se a seguinte inscrição:
O alicerce do
mundo é a nação.
O alicerce da
nação é o lar.
O alicerce do
lar é o corpo.
O alicerce do
corpo é o espírito.
O alicerce do espírito é o
alimento.
Ishizuka considerou a
relevância deShoku-Yō para a saúde e
bem-estar de todas as pessoas e nações. E ele a concebeu como a chave secreta
de uma estável e pacífica ordem mundial. Indivíduos felizes e saudáveis formam
um lar estável. Do mesmo modo, nações equilibradas e sãs podem dar origem a uma
estável e pacífica comunidade internacional.
Sagen Ishizuka construiu uma
notável carreira. Mesmo quem rejeita suas premissas e conclusões não pode deixar
de reconhecer o alcance e a nobreza de sua obra.
·
Ele contestou
os pressupostos da moderna teoria nutricional e apresentou uma nutrição
ecológica, baseada na visão do homem como parte do ambiente natural e dele
dependente.
·
Ele contestou
os pressupostos da moderna medicina alopática, e apresentou um sistema
terapêutico baseado em alimentos simples e na natural tendência do organismo em
direção à cura.
·
Ele empregou em
suas obras a terminologia da química e ciência modernas, e amparou sua visão em
amplos dados empíricos – experimentais, históricos e antropológicos.
·
Ele nos legou
uma abrangente teoria do desenvolvimento e comportamento humanos baseada na
alimentação e na ideia de que o ser humano é um todo psicofísico.
·
Ele analisou os
problemas de seu tempo a partir dessa perspectiva, e concebeu uma solução que
poderia ser aplicada tanto ao Japão quanto ao resto do mundo.
·
Encontra-se,
impulsionando todo o seu trabalho, o sonho de um mundo saudável e pacífico.
Como George Ohsawa afirma,
Ishizuka foi um dos grandes pensadores do mundo moderno, e a publicação de seus
livros representa, efetivamente, um evento mais importante do que a descoberta
da América por Cristóvão Colombo. Talvez, um dia, seja isso amplamente
reconhecido. Por enquanto, porém, Ishizuka permanece ignorado em seu próprio
país. Seus escritos, cuja última edição conta já quarenta anos, estão fora de
catálogo. Nos círculos macrobióticos do Japão e ao redor do mundo, é Ishizuka,
quando muito, lembrado somente como uma figura importante do passado. O
verdadeiro pai da moderna “macrobiótica” espera ainda pelo justo reconhecimento
mesmo daqueles mais influenciados pelo seu legado.
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