Existe
uma Ecologia Neutra, situada entre o
Capital e o Trabalho?
Eduardo Galeano
P
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oder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas
ele era um cavalheiro: bondoso, Al sempre enviava flores aos velórios de suas
vítimas... As empresas gigantes da indústria química petroleira e
automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco 92: a conferência
internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa
conferência, chamada de Reunião da Cúpula da Terra, não condenou as
transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou
uma palavra contra a ilimitada liberdade do comércio que torna possível a venda
de veneno.
No
grande baile de máscara do fim de milênio, até a indústria química se veste de
verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo
que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos.
Mas esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes
às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir
aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das dez
maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas
(Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfzer, Upjoh, Shell, ICI). A indústria química não
tem tendências masoquistas.
A
recuperação do planeta, ou daquilo que dele sobrar, implica a denúncia da
impunidade do dinheiro e da liberdade comercial sem freios. A ecologia neutra,
que mais parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo
onde comida sadia, água limpa, ar puro e silêncio não são direito de todos, mas
sim privilégios de poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador
da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por
acreditar no que acreditava: que a
militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que
a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária
no Brasil. Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que
mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados a cada ano, na luta pela
terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às
cidades deixando as plantações do interior.
Adaptando
as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina.
As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante
invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que
não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia surda ante o
clamor social e cega ante o compromisso político.
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