domingo, 31 de agosto de 2014

Existe uma Ecologia Neutra, situada entre o Capital e o Trabalho?

Existe uma Ecologia Neutra, situada entre o Capital e o Trabalho?
Eduardo Galeano


P
oder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: bondoso, Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas... As empresas gigantes da indústria química petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco 92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião da Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade do comércio que torna possível a venda de veneno.

No grande baile de máscara do fim de milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das dez maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfzer, Upjoh, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

A recuperação do planeta, ou daquilo que dele sobrar, implica a denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade comercial sem freios. A ecologia neutra, que mais parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo onde comida sadia, água limpa, ar puro e silêncio não são direito de todos, mas sim privilégios de poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior.

Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.


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