Os
Poderes do Som
O
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s antigos jamais duvidaram dos
poderes do som. Representante da tradição sufi, Vilayat Inayat Khan, por
exemplo, ensina-nos: “As células dos intricados feixes de nervos que formam os
plexos ou gânglios estão sujeitas à influência ininterrupta dos sons.”
Enfadonho seria referir aqui todas as tradições que, cientes dos prodigiosos
efeitos dos sons, elaboraram verdadeiros tratados práticos sobre o tema. Basta
dizer que na Índia e no Tibete, na China e no Japão, na Pérsia e na Sibéria não
faltam exemplos desse conhecimento ancestral que, no limite, chegou a postular
a seguinte equação: Deus=som.
Li
há tempos duas pequenas narrativas que justamente comprovam o poder ilimitado
das vibrações sonoras. A primeira consiste na recapitulação por Tomio Kikuchi
de um fato excepcional ocorrido no Japão. Com todos os ingredientes de uma
história de mistério, sua conclusão é de fato surpreendente. A segunda, de
caráter pitoresco (mas nem por isso menos interessante), é, na verdade, o
registro de Isabel Allende sobre um episódio vivido pela escritora chilena em
sua residência na Califórnia. Como não tenho à mão as narrativas de Kikuchi e
Allende, o jeito é recontá-las, cuidando para ser-lhes o mais possível fiel.
O
milagre da granja do Sr. Shishima
Naquele dia, o Sr. Shishima, como de hábito,
despertou com a aurora e seguiu para o galinheiro. No recolher dos ovos postos
durante a madrugada, estupeficou-se: todas as galinhas, sem exceção, haviam
colaborado com um ovo. O Sr. Shishima estava diante de um acontecimento
extraordinário. Nunca ninguém havia testemunhado tal prodígio ou mesmo dele
ouvido falar. Mas no dia seguinte, o mesmo fenômeno se repetiu, e assim também
nos dias que se sucederam.
Intrigado,
o criador solicitou os serviços de técnicos em galinicultura da cidade mais
próxima. Os técnicos perguntaram-lhe se havia misturado alguma substância à comida
das galinhas; mas o Sr. Shishima, um tradicionalista, garantiu-lhes que não.
Embora as investigações se aprofundassem ao longo de vários dias, nada foi
descoberto. Entre a curiosidade e a preocupação crescentes, o avicultor japonês
recorreu aos conhecimentos de um reputadíssimo especialista da capital.
Incansável em suas averiguações, e dotado de um raro poder de dedução, o
especialista desvendou então o mistério.
O
Sr. Shishima, desejoso de melhor aproveitar o terreno que herdara, decidiu
plantar variados tipos de hortaliças. Para tanto, foi necessário mudar o curso
do córrego que atravessava a propriedade. Valetas foram construídas, e a água,
que antes fluía distante do galinheiro, passou a correr-lhe próximo. O
grugulejar da água passando pela valeta – foi o que concluiu o especialista –
fez que as galinhas botassem todos os dias sem falhar. Aquela vibração sonora,
percorrendo os dédalos da estrutura animal, estimulou a circulação hormonal e a
sensibilidade nervosa das galinhas. O organismo das aves, incluindo
evidentemente seu sistema reprodutivo, passou a adotar um outro ritmo de
funcionamento.
Era
apenas um som, mas era como se fosse um Deus realizando milagres.
Método
infalível para livrar-se de visitas indesejáveis
O mau cheiro impregnara a confortável casa de
Isabel Allende na Califórnia. A escritora já havia inspecionado os quartos, a
sala, a cozinha, os banheiros – e nada encontrara. Só restava o sótão. À medida
que Isabel vencia os degraus – seu olfato que o diga – o cheiro se tornava mais
insuportável. À porta, torturada embora pelo fartum, encontrou ainda forças
para adentrar o pavimento. Simplesmente não acreditou no que viu: um casal de
gambás – sem consultar, é claro, a proprietária – decidiu fazer daquele lugar
seu ninho de amores.
Isabel
não pensou duas vezes. Com os pulmões envenenados, desabou pela escada, pegou
do telefone e discou para a Sociedade Protetora dos Animais. Após um quarto de
hora, o funcionário chegou como se preparado para guerra estivesse. Subiu até a
trincheira e de lá só saiu com os gambás feitos prisioneiros.
Mas
a ofensiva do bom do funcionário de pouco adiantou. Após serem soltos, os
marsupiais não se deram por ofendidos e retornaram ao lugar para o qual
acreditavam ter nascido: o sótão da casa de Isabel Allende.
E
a história se repetiu várias vezes. Isabel pedia ajuda, o funcionário fazia a
sua parte, e os gambás a deles, ou seja, retornavam ao paraíso do sótão.
Certo
dia, o enteado de Isabel, um rapazola maníaco por rock pauleira, afiançou-lhe
que tinha a solução para o caso. Disposta a tudo, a madrasta deu carta branca
ao mancebo.
Dias
depois, o enteado retornou com sua potente aparelhagem de som e instalou-a no
sótão. Tirou da capa um LP do Led Zeppelin, posou-o no toca-discos, deixou a
agulha deslizar sobre ele. Com o volume no máximo, a voz de Robert Plant rasgou
o ar explodindo nos tímpanos dos invasores. O paraíso dos gambás estremecia,
querendo vir à baixo. Os animais, assustadíssimos, bateram em retirada.
Quando
a guitarra de Jimmy Page abriu furiosa a segunda faixa, os gambás já se
encontravam refugiados na quinta mais próxima – certos de que jamais voltariam.
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