segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Alimento Local e Sazonal

O Alimento Local e Sazonal
Sandor Ellix Katz
          
                                                

P
essoas há que decidem por conta própria viver exclusivamente de alimentos locais. Durante um ano, Gary Paul Nabhan limitou-se a ingerir alimentos cultivados à distância máxima de 250 milhas de sua residência. A experiência rendeu-lhe o livro Coming Home to Eat. A decisão de banir de sua cozinha alimentos produzidos para além daquele raio, revelou-lhe de imediato que a maior parte de sua alimentação dependia de um número reduzidíssimo de indústrias e distribuidoras. Até então dominavam sua despensa e geladeira mercadorias produzidas e distribuídas por um cartel de alimentos, cujas instalações cobrem o globo da Argentina ao Zaire.

A restrição que Nabhan se impôs levou-o a encontrar vizinhos engajados na produção de alimentos em pequena escala, e a variedade da oferta local surpreendeu-o.

Diferentes grupos têm encorajado pessoas a se alimentarem exclusivamente de produtos locais ao menos por um período. O Slow Food da América do Norte, por exemplo, organiza o evento batizado de Local Food Challenge, no qual os participantes passam um mês comendo apenas alimentos locais.

O comer exclusivamente alimentos locais exige que mudemos nossas expectativas. Alguns alimentos que costumam fazer parte de nosso dia a dia podem simplesmente desaparecer de nosso prato assim que abraçamos a nova proposta. A menos que você viva numa região tropical, deverá, por exemplo, esquecer aquele suco de laranja do desjejum. Entretanto, outros alimentos, não menos deliciosos e nutritivos (na verdade, muito mais deliciosos e nutritivos), os substituirão. Podemos aprender a apreciar o que cresce natural e abundantemente à nossa volta, reorientando nosso paladar e nossos hábitos.

São poucos os que voluntariamente escolhem se alimentar só de produtos locais. Mas há casos em que circunstâncias particulares provocam o desaparecimento instantâneo do comércio internacional, e diante dessa nova realidade os povos comprovam que podem conquistar a soberania alimentar e sobreviver. Tomemos como exemplo o caso de Cuba. Até 1989, os principais parceiros comerciais de Cuba eram os países do leste europeu. Cuba exportava açúcar e importava a maior parte dos alimentos, assim como combustíveis, maquinaria e agroquímicos. Em Cuba, no ano de 1989, a área destinada ao plantio de cana correspondia ao triplo daquela ocupada com a plantação de alimentos. Cinquenta e sete por cento das calorias presentes na alimentação cubana advinham de produtos importados. Com o colapso da União Soviética e seus aliados, Cuba perdeu, de uma hora para outra, seus principais parceiros comerciais.

O desaparecimento das relações comerciais com o bloco socialista significou para Cuba a perda de dois terços de seu suprimento alimentar e a interrupção do fornecimento de combustíveis, maquinaria e produtos químicos dos quais dependia sua agricultura. Para agravar ainda mais a situação, o bloqueio econômico estadunidense a Cuba tornou-se mais rigoroso no início dos anos noventa do século passado. A escassez alimentar chegou a níveis tais que doenças relacionadas à má nutrição espalharam-se sem aviso.

À falta de agroquímicos, combustíveis e sementes híbridas exigidos pela monocultura de estilo industrial, Cuba foi forçada a transformar seu sistema de produção agrícola. A produção de alimentos foi descentralizada, e os camponeses de todas as regiões do país foram encorajados a diversificar em vez de especializar os cultivos. A construção de hortas urbanas, familiares e comunitárias, outrora uma característica da sociedade cubana, foi oficialmente estimulada, e um programa de educação pública e fazendas-modelo foi instituído com o objetivo de difundir o conhecimento acerca de métodos biológicos de cultivo. O próprio Ministério da Agricultura substituiu seu gramado frontal por uma horta.

Antes mesmo de 1999, Cuba já se transformara numa nação de produtores de alimentos. As hortas urbanas sozinhas produziam mais do que 800 mil toneladas de alimentos, principalmente vegetais. Não há como comparar este número com o das produções desse mesmo setor anteriores a 1989, já que até então era ele considerado insignificante e, portanto, não contabilizado. Contudo, este resultado extraordinário demonstra que as cidades podem, efetivamente, produzir alimentos, embora não ao estilo de acres, característico do cultivo de grãos; em vez disso, o uso intensivo de quintais, parques e terraços pode garantir um suprimento regular de alimentos frescos aos habitantes das cidades.

A expectativa de uma crise não é, obviamente, o único estímulo para reviver a produção local de alimentos. As vantagens de adotá-la são muitas, e vão desde a melhoria da qualidade do alimento (sabor, valor nutricional, ausência de agrotóxicos) até a estabilidade econômica da comunidade. Além disso, para nós que vivemos numa sociedade que tudo disponibiliza (mas não para todos!), a produção local tem outro aspecto importante: dá provas da capacidade dos métodos tradicionais de cultivo para alimentar perfeita e adequadamente as populações.


Durante quase toda a história da humanidade, o alimento disponível correspondia ao que hoje chamamos alimento orgânico e local. Orgânico era tudo o que havia até meados do século XX, e qualquer alimento que não fosse local representava um luxo fora do alcance da maioria da população. Não há garantia absoluta de que o alimento abundante e globalizado de hoje esteja sempre disponível. Não é difícil imaginar o mundo inteiro sofrendo as consequências de uma interrupção abrupta de todo o comércio internacional. Mudanças econômicas drásticas acontecem. Cuba que o diga! Como vimos, a ilha caribenha se viu forçada, para sobreviver, a adotar a produção comunitária de alimentos. É na habilidade de produzir alimentos saudáveis que reside a soberania de uma nação.

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