Como
o Alimento nos Cria
Michio Kushi
N
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o processo da nutrição, nós
fragmentamos o alimento de várias formas. Na verdade, essa fragmentação
inicia-se com o ato de cozer, que amacia a textura rija dos alimentos crus e os
torna mais digeríveis. O fenômeno continua com a ação mecânica da mastigação e
com a ação eletroquímica da enzima ptialina,
presente na saliva e responsável pela digestão dos amidos. Quando o alimento
chega ao estômago, é ele então dissolvido por fortes ácidos e pela enzima pepsina, que digere as proteínas. Ao
introduzir-se no duodeno, região
entre o estômago e o intestino delgado, o alimento é banhado pela bile e pelos
fluidos digestivos pancreáticos. A bile
age sobre as gorduras, dissolvendo-as em partículas menores a fim de que sejam
mais facilmente digeridas; e as enzimas
pancreáticas agem tanto sobre as proteínas e carboidratos quanto sobre as
gorduras.
Neste ponto,
poderia um fisiologista considerar o alimento como estando ainda fora de nós.
Embora no interior de nosso corpo, não foi ele ainda incorporado à nossa
química pessoal, e, portanto, não difere do alimento pinçado por nossos dedos
ou em contato com nossa pele. (Mas há exceções: algumas substâncias
extremamente yin, tais como álcool, açúcar refinado e especiarias, são em geral
absorvidas pela mucosa da boca e do estômago antes deste ponto.) Só depois que
o alimento se introduz no trato intestinal é que ele ganha de fato o caminho
para tornar-se parte de nós.
No intestino
delgado, o alimento digerido entra em contato com as vilosidades intestinais – protuberâncias diminutas e porosas que
permitem que os produtos finais da digestão passem através da parede intestinal
e entrem na corrente sanguínea. Esse ingresso é preparado e auxiliado por
milhões de micro-organismos – bactérias, leveduras e outras formas primitivas
de vida – que povoam o intestino, pode-se dizer, com essa finalidade. Esta
flora intestinal é semelhante aos micro-organismos relacionados a infecções;
mas, enquanto esses últimos decompõem os excessos que devem ser expulsos do corpo, aquela decompõem
nutrientes que devem ser introduzidos
no corpo.
Uma vez
absorvido, o alimento viaja pela corrente sanguínea. O sangue recém-enriquecido
passa primeiro pelo fígado, onde é, por vários meios, avaliado e alterado
quimicamente. Sua composição é assim ajustada tendo em vista satisfazer as
necessidades do corpo em dado momento. Por exemplo, o açúcar desnecessário é
estocado ou redirecionado para tornar-se triglicerídeo,
combinação especial de gordura encontrada em humanos e animais. Aminoácidos
livres podem combinar-se e formar novas proteínas completas, com o objetivo de
ajudar, quando necessário, na reconstrução de estruturas corporais. Em
sequência, o sangue assim regulado quimicamente é transportado para o coração e
pulmões a fim de adquirir oxigênio e pressão física para circular por todo o
corpo. Durante o curso da circulação, os rins, o pâncreas e outras glândulas
endócrinas ajustam constantemente a composição do sangue, visando a satisfazer
com precisão nossas necessidades.
Finalmente, o sangue passa por vasos
finíssimos, os capilares, para então
entrar em contato com cada célula do nosso corpo. Neste nível celular os
nutrientes dos alimentos alcançam sua destinação final. Energias concentradas
no alimento são liberadas e utilizadas em certas atividades. Substâncias são
usadas para criar novos tecidos e reparar ou refazer os tecidos velhos, mortos
ou destruídos. Aqui o alimento, definitivamente, torna-se nós – nossa
substância, nossa energia, nossa atividade. Nosso alimento é decomposto a
partir da estrutura original de plantas, animais e outras manifestações do meio
ambiente, é reduzido à sua essência microscópica, e depois, miraculosamente,
recomposto numa forma inteiramente nova – nós próprios.
Mas não são
apenas as calorias e proteínas que nos são fornecidas pelos alimentos. Há
também qualidades menos óbvias, não
mensuráveis, que se transferem para nossas células. E essas diferenças
qualitativas mais sutis entre os diversos alimentos afetam profundamente nosso
metabolismo, nosso comportamento e até mesmo nosso pensamento. Por exemplo, podemos obter 500 calorias
consumindo certa porção ou de cenoura, ou de açúcar, ou de álcool. Considerando
tão somente o aspecto quantitativo,
os três fornecem equivalente energia. Não obstante, experimentamos essas 500
calorias de maneira profundamente distinta.
Em virtude de
suas naturezas distintas, cada um daqueles alimentos será metabolizado de
maneira radicalmente diferente, e, portanto, produzirá tendências
comportamentais completamente particulares. Valendo-nos de outro exemplo:
podemos obter a quantidade diária recomendada de proteína quer exclusivamente
de fontes animais, quer exclusivamente de fontes vegetais. O total de proteínas
em gramas é idêntico; mas, como a maioria dos vegetarianos o sabe, cada grupo
desses alimentos produz uma experiência bastante diferente.
Somos,
literalmente, o que comemos. Ou mais precisamente: somos um reflexo rigoroso do
meio ambiente em que vivemos, visto que o “eu exterior” – a Natureza – é
transferido para o “eu interior” por meio do processo de nutrição.
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