A
Catastrófica Produção de Alimentos
Mike Davis*
Houve
uma transição entre os velhos chiqueiros para enormes pavilhões de criação em
que uma vasta quantidade de excrementos é produzida, com dezenas e até centenas
de milhares de animais com seus sistemas imunológicos enfraquecidos, sufocados
no calor e no estrume, a trocar doenças entre si numa velocidade absurda
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omo muitas pessoas têm apontado, a criação animal nas últimas
décadas vem se transformando em algo que mais parece a indústria petroquímica
do que a tradicional fazenda familiar retratada em livros didáticos.
Em 1965, por
exemplo, havia 53 milhões de porcos em mais de 1 milhão de fazendas norte-americanas.
Em 2010, a criação de 65 milhões de suínos estava concentrada em 65 mil
instalações – metade delas com mais de 5 mil animais.
Essencialmente,
houve uma transição entre os velhos chiqueiros para enormes pavilhões de
criação em que uma vasta quantidade de excrementos é produzida, com dezenas e
até centenas de milhares de animais com seus sistemas imunológicos
enfraquecidos, sufocados no calor e no estrume, a trocar doenças entre si numa
velocidade absurda.
A Smithfield
Foods, por exemplo, tem duas filiais nos Estados Unidos que criam anualmente
mais de 1 milhão de suínos cada, gerando centenas de substâncias tóxicas em
lagoas cheias de merda. Qualquer um que presenciar esse tipo de produção pode
compreender intuitivamente como o agronegócio tem mexido com as leis da
natureza de forma muito profunda.
Em 2009, uma
comissão da respeitada organização Pew Research Center publicou um relatório
sobre “a exploração industrial da criação de animais”, que destacava os graves
perigos representados pela “contínua ciclagem de vírus”. O documento diz que
esse tipo de atividade “em grandes rebanhos vai aumentar as chances de geração
de novos vírus por meio de eventos de mutação ou recombinação, podendo resultar
em sua transmissão de modo mais eficiente entre humanos”.
Essa
comissão também advertiu que o uso abusivo de antibióticos em criações
empresariais de porcos estava provocando o surgimento de todo tipo de infecções
resistentes (como a causada por um protozoário que já matou mais de 1 bilhão de
peixes nos estuários da Carolina do Norte e provocou doenças em dezenas de
pescadores).
Qualquer
melhoria nesse novo ambiente patogênico, no entanto, teria que se confrontar com o
monstruoso poder dos conglomerados empresariais como a Smithfield Foods (carne
suína e bovina) e a Tyson (carne de frango). A comissão da Pew relatou uma
sistemática obstrução de suas investigações pelas empresas, incluindo
flagrantes ameaças de bloquear financiamento para os criadores que colaborassem
com as inspeções.
Além disso, trata-se
de uma indústria altamente globalizada, com grande peso político internacional.
A Charoen Pokphand, empresa gigante de criação de frangos sediada em Bangcoc,
impediu investigações sobre o seu papel na propagação da gripe aviária em todo
o Sudeste Asiático. Do mesmo modo, é provável que as investigações sobre as
responsabilidades pelo surto de gripe suína não consigam romper o muro de pedra
que protege os interesses da indústria de carne de porco.
Isso não
quer dizer que pistas do crime nunca serão encontradas: já há rumores na
imprensa mexicana sobre um epicentro da gripe envolvendo um enorme filial da
Smithfield no estado mexicano de Veracruz.
Mas o mais
importante (sobretudo tendo em conta a continuação da ameaça do H5N1) é alertar
para os perigos num contexto maior: a estratégia de combate a pandemias da OMS
falhou; vivemos um quadro de piora da saúde pública mundial; remédios que
salvam vidas estão sob controle da grande indústria farmacêutica; e chegamos a
uma catastrófica situação global causada por uma produção de alimentos
industrializada e ecologicamente descontrolada.
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Teórico
do urbanismo e professor do Departamento de História da Universidade da
Califórnia.
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