sábado, 29 de novembro de 2014

A Catastrófica Produção de Alimentos

A Catastrófica Produção de Alimentos
Mike Davis*
Houve uma transição entre os velhos chiqueiros para enormes pavilhões de criação em que uma vasta quantidade de excrementos é produzida, com dezenas e até centenas de milhares de animais com seus sistemas imunológicos enfraquecidos, sufocados no calor e no estrume, a trocar doenças entre si numa velocidade absurda





C
omo muitas pessoas têm apontado, a criação animal nas últimas décadas vem se transformando em algo que mais parece a indústria petroquímica do que a tradicional fazenda familiar retratada em livros didáticos.

Em 1965, por exemplo, havia 53 milhões de porcos em mais de 1 milhão de fazendas norte-americanas. Em 2010, a criação de 65 milhões de suínos estava concentrada em 65 mil instalações – metade delas com mais de 5 mil animais.

Essencialmente, houve uma transição entre os velhos chiqueiros para enormes pavilhões de criação em que uma vasta quantidade de excrementos é produzida, com dezenas e até centenas de milhares de animais com seus sistemas imunológicos enfraquecidos, sufocados no calor e no estrume, a trocar doenças entre si numa velocidade absurda.

A Smithfield Foods, por exemplo, tem duas filiais nos Estados Unidos que criam anualmente mais de 1 milhão de suínos cada, gerando centenas de substâncias tóxicas em lagoas cheias de merda. Qualquer um que presenciar esse tipo de produção pode compreender intuitivamente como o agronegócio tem mexido com as leis da natureza de forma muito profunda.

Em 2009, uma comissão da respeitada organização Pew Research Center publicou um relatório sobre “a exploração industrial da criação de animais”, que destacava os graves perigos representados pela “contínua ciclagem de vírus”. O documento diz que esse tipo de atividade “em grandes rebanhos vai aumentar as chances de geração de novos vírus por meio de eventos de mutação ou recombinação, podendo resultar em sua transmissão de modo mais eficiente entre humanos”.

Essa comissão também advertiu que o uso abusivo de antibióticos em criações empresariais de porcos estava provocando o surgimento de todo tipo de infecções resistentes (como a causada por um protozoário que já matou mais de 1 bilhão de peixes nos estuários da Carolina do Norte e provocou doenças em dezenas de pescadores).

Qualquer melhoria nesse novo ambiente patogênico, no entanto, teria que se confrontar com o monstruoso poder dos conglomerados empresariais como a Smithfield Foods (carne suína e bovina) e a Tyson (carne de frango). A comissão da Pew relatou uma sistemática obstrução de suas investigações pelas empresas, incluindo flagrantes ameaças de bloquear financiamento para os criadores que colaborassem com as inspeções.

Além disso, trata-se de uma indústria altamente globalizada, com grande peso político internacional. A Charoen Pokphand, empresa gigante de criação de frangos sediada em Bangcoc, impediu investigações sobre o seu papel na propagação da gripe aviária em todo o Sudeste Asiático. Do mesmo modo, é provável que as investigações sobre as responsabilidades pelo surto de gripe suína não consigam romper o muro de pedra que protege os interesses da indústria de carne de porco.
Isso não quer dizer que pistas do crime nunca serão encontradas: já há rumores na imprensa mexicana sobre um epicentro da gripe envolvendo um enorme filial da Smithfield no estado mexicano de Veracruz.

Mas o mais importante (sobretudo tendo em conta a continuação da ameaça do H5N1) é alertar para os perigos num contexto maior: a estratégia de combate a pandemias da OMS falhou; vivemos um quadro de piora da saúde pública mundial; remédios que salvam vidas estão sob controle da grande indústria farmacêutica; e chegamos a uma catastrófica situação global causada por uma produção de alimentos industrializada e ecologicamente descontrolada.

·         Teórico do urbanismo e professor do Departamento de História da Universidade da Califórnia.



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