Os
Alimentos Controlam o Teu Destino
A
Vida de Namboku Mizuno
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seu Guia para o Dia a Dia Macrobiótico,
George Ohsawa cita como uma de suas grandes inspirações o mestre da
fisiognomonia Namboku Mizuno. A
fisiognomonia consiste na arte de desvelar o caráter e o destino das pessoas
interpretando-lhes os traços fisionômicos.
Namboku Mizuno notabilizou-se durante o shogunato Tokugawa por ter
provocado uma verdadeira reviravolta nos ensinamentos fisiognomônicos. Dada a
excelência de sua arte, foi reconhecido pelo próprio imperador Kokaku, que
pessoalmente lhe concedeu o maior título honorífico do Japão. Quem conhecesse
apenas a primeira fase da vida de Namboku não poderia jamais imaginar que
aquele “náufrago da existência” chegaria a construir uma obra que transcenderia
o seu país e o seu tempo.
A mensagem de Namboku
Mizuno, que não é senão a da liberdade, começa a ser traçada (mirabile dictu!) no ambiente inóspito de
uma cela.
Não tardou que a vida
desfechasse contra Namboku um de seus golpes mais violentos: morreram-lhe a mãe
e o pai quando ele ainda era uma criança. O tio que o acolhera – a julgar pela
conduta do adolescente Namboku – não conseguiu porém incutir-lhe o mínimo de
civilidade. Ajudado pelo álcool, Namboku mostrou-se um jovem desordeiro e
violento. Não hesitava em enfrentar quem quer que fosse, engalfinhando-se até
mesmo com as autoridades locais. As muitas cicatrizes que nesse período
colecionou ao longo do corpo davam a justa medida das enrascadas em que se metia.
Mas, como a marcha do desregrado é quase sempre curta, aos dezoito anos Namboku
foi preso por roubar dinheiro para comprar saquê.
Logo Namboku percebeu
que para sobreviver à prisão necessário era conhecer a índole dos demais
detentos. Começou então a reparar no comportamento de cada um deles, a
sondar-lhes o passado e a inteirar-se dos crimes que haviam cometido. No
decurso dessa investigação, impressionou-lhe o fato de que a cada tipo de
personalidade correspondia em geral um tipo de semblante.
Imediatamente após
sua soltura, já na primeira perambulação pelas ruas, Namboku deparou um
fisiognomonista. O homem, após pormenorizar-lhe o passado, advertiu-o de que
dentro de um ano morreria de golpe de espada. Disse-lhe, contudo, que poderia
safar-se desse destino funesto tornando-se monge budista. Completamente
perturbado com a profecia, Namboku partiu dali mesmo para o templo mais
próximo.
Lá chegando, o
ex-detento apresentou-se ao abade, que por acaso conhecia um pouco da arte
fisiognômica. Pressentindo o caráter violento de Namboku, o religioso tentou
dissuadi-lo de ingressar no monacato. Mas, como o jovem resistisse, o jeito foi
impor-lhe, como para afugentá-lo definitivamente, uma terrível condição: só
seria aceito como noviço se passasse um ano comendo apenas soja e cevada,
víveres dos que, condenados à pobreza, não podiam obter arroz. Qualquer um,
naquele exato momento, teria mandado às urtigas suas não muito convictas
inclinações monásticas. Mas Namboku, com a morte à espreita, concordou prontamente
com a estipulação do mestre e nos doze meses subsequentes alimentou-se
exclusivamente de cevada e soja.
Comprida a exigência
do abade, Namboku, disposto a tornar-se monge, toma o caminho que leva ao mosteiro.
No meio do percurso, porém, encontra o fisiognomonista com que se consultara
após deixar o cárcere. Custa ao vidente reconhecê-lo: Namboku se transfigurara,
os signos da morte que um dia lhe habitaram a face, haviam-no abandonado.
Consequentemente, afirma-lhe o vate que sua vida já não seria extinta pelo aço
frio de uma espada. E acrescentou: “Mudanças dessa natureza só ocorrem com
aqueles que possuem uma força de vontade incomum.”
Tais palavras,
abrindo caminho no espírito desolado de Namboku, semearam a autoconfiança
naquele rapaz prestes a entrar na vida adulta. Depois de ouvi-las, ele abandona
a ideia de retornar ao mosteiro e decide iniciar uma viagem de autoconhecimento
Japão adentro.
Passado um par de
anos, Namboku certifica-se de que pode dar um sentido à sua vida dedicando-se à
fisiognomonia. Parte então em busca de quem quer que possa introduzi-lo naquela
arte. Entre os mestres que encontra, estão monges budistas, sacerdotes
xintoístas, eruditos confucionistas e alquimistas japoneses, dos quais recolhe
os conhecimentos e segredos das várias escolas fisiognômicas em vigor à época.
Desejoso de obter
experiência e aperfeiçoar-se na arte que escolhera praticar, Namboku posteriormente
se dirige a Osaka e a outras grandes cidades. Nesses centros urbanos, trabalha
em casas de banho públicas, onde passa os dias esfregando o dorso dos clientes
para ouvir-lhes as histórias e analisar-lhes a fisionomia. O conhecimento
seguro da estrutura óssea e da anatomia, adquiriu-o, no entanto, quando se
empregou num crematório. Foi ali que, lidando com cadáveres, percebeu que
aqueles corpos, já incapazes de dizer uma palavra, muito revelavam da vida de
seus donos.
Após quase uma década
estudando a relação entre as características físicas e o destino das pessoas,
Namboku se estabelece como fisiognomonista e vidente. Sua fama logo se espalha,
dado o acerto de seus prognósticos. Contudo, era forçoso que reconhecesse as
lacunas dos métodos tradicionais de diagnose visual: Namboku encontrara, por
exemplo, pessoas de constituição invejável sofrendo das mais variadas doenças; conhecera,
por outro lado, indivíduos saudáveis e felizes cuja estrutura facial acusava
completo infortúnio. Como explicar o que seria, a princípio, um paradoxo?
Determinado a encontrar uma resposta, Namboku segue para o Santuário de Ise.
O Santuário de Ise
destaca-se como o mais célebre do Japão. Localizado numa exuberante floresta
repleta de cedros que avançam em direção aos céus, é ele dedicado à deusa do
sol Amaterasu, da qual, como insiste a tradição, descende a família imperial
japonesa. Por lá Namboku peregrinou durante três
semanas, jejuando e banhando-se nas gélidas águas do rio Ksuzu. Graças a esse
processo de purificação, alcançou ele, enfim, a verdade: nosso destino não está
gravado num bloco de granito, mas é escrito e reescrito diariamente pela mão
invisível dos alimentos que ingerimos.
Na época de
Namboku as artes divinatórias – fisiognomonia, astrologia, numerologia,
geomancia – já haviam perdido todo o seu vigor original, e eram praticadas
mecanicamente, sem qualquer contato com a realidade.
O mérito de
Namboku foi ter estabelecido a diferença entre constituição e condição.
Ele descobriu que nosso futuro não está escrito com letras indeléveis em nossa
face. O caráter e o destino das pessoas não são inalteráveis. É claro que as
tendências e as possibilidades dadas por nossa constituição não podem ser
negadas. Mas as expressões de nossa condição, ou seja, as linhas de nosso rosto
e mãos, o sangue que corre em nossas veias e alimenta nossos órgãos, o Ki ou
energia eletromagnética que percorre nossos meridianos e chakras – todos mudam
de acordo com os alimentos que ao menos três vezes por dia levamos à boca.
Um século antes
de Sartre, um japonês da era Tokugawa poderia muito bem ter dito: “Estamos
condenados à liberdade.”
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