Ohsawa
em Paris:
Criando
coelhos na Cidade-Luz
F
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inalmente
o trem chegou à estação Gare du Nord
em Paris. Estava Ohsawa exultante, completamente entusiasmado com a aventura
que se descortinava diante dele. Mas encontrava-se também falto de dinheiro,
contando apenas com duzentos francos, quantia suficiente para pagar, se tanto,
as despesas de poucas semanas.
Ohsawa logo tratou de alugar
a água-furtada de uma típica casa francesa. Não havia janelas no pavimento, mas
tão somente uma claraboia. Os caixotes usados para despachar seus livros do
Japão para a Europa, Ohsawa os dispôs de modo que lhe servissem de mesa e
estante. Sobre a mesa improvisada instalou o retrato da mãe, sua mais poderosa
fonte de inspiração. Por toda a vida Ohsawa se recordaria do que lhe dissera
ela no leito de morte: “Estude todas as coisas. Jamais se torne um
especialista. Dedique sua vida ao bem-estar da nação e de toda a humanidade.”
Talvez, neste novo e solitário ambiente, a memória da mãe lhe fosse ainda mais
necessária. Ohsawa batizou o lugar de hamaguri
(amêijoa), na tentativa de descrever os tons da luz repentina projetada
pela claraboia por ocasião da aurora e do crepúsculo.
Já instalado, Ohsawa passou
a considerar qual a melhor forma de alcançar seus objetivos. Viera à Europa não
só para ensinar, mas também para aprender. Seu plano era confrontar a ciência
ocidental com a tradição oriental representada pela Shoku-Yō, demonstrando a superioridade desta última. Na verdade,
tencionava ele introduzir no Ocidente a essência da cultura japonesa, o Yamato-damashii, e as várias artes e
disciplinas dela decorrentes. Mas desejava também estudar a fundo o Ocidente.
Queria compreender de fato a ciência, a filosofia e a religião ocidentais, e
sentir como o homem do Ocidente experimentava o mundo.
Dados os propósitos de
Ohsawa, Paris apresentou-se-lhe como destino natural. Desempenhava a cidade à
época o papel de capital cultural do Ocidente. Na arte e literatura, na ciência
e medicina, a Cidade-Luz inspirava seus gênios nativos e atraía as principais
personalidades estrangeiras. Franceses como Paul Valéry e André Malraux, e
expatriados como Ernest Hemingway, Gertrude Stein e James Joyce elevaram-na à Meca
dos escritores e poetas. Com grandes espíritos científicos reunidos, e por
conta dos trabalhos desenvolvidos em lugares como o Instituto Pasteur, Paris
era também centro de importantes pesquisas médico-científicas. E a cidade
exercia ainda a função de eixo do poder político. Era o centro de um vasto (e
ainda vital) império mundial, com colônias no sudeste da Ásia e por toda a
África.
Além disso, Paris se tornara
a sede de estudos sobre a cultura e história da Ásia, desenvolvidos por
intelectuais e artistas. Importantes pesquisas acadêmicas desenrolavam-se já há
algum tempo, com textos indianos e chineses estando disponíveis desde a
primeira metade do século XIX. Os
idiomas e as escrituras do Budismo, a literatura e a ciência da China e, desde
a queda da política de isolamento, a arte e a cultura do Japão vinham sendo rigorosa
e sistematicamente examinados. A estética japonesa havia provocado um forte
impacto no desenvolvimento da arte moderna na França. Na década de oitenta do
século XIX, as primeiras xilogravuras importadas da Japão inspiraram o estilo cloisonné de Vicent van Gogh, e nos anos
vinte do século passado, a pintura e outras artes japonesas ainda permaneciam
em voga. Paris, portanto, era o lugar ideal para Ohsawa apresentar ao Ocidente
a cultura oriental autêntica e, por outro lado, alcançar um entendimento
profundo do Ocidente.
Os primeiros meses foram
penosos para Ohsawa. Ele escrevia artigos sobre cultura japonesa e, cruzando a
pé a cidade (para poupar algum níquel), oferecia-os a editores. Não havia,
porém, quem os comprasse. A minguada quantia de que dispunha permitia-lhe
comprar apenas uma mistura de painço e grãos triturados vendida como ração de
pássaros em loja de produtos para animais. A essa mistura ele acrescentava
verduras que colhia nos parques públicos. Aos sábados, deslocava-se para as
cercanias em busca de vegetais selvagens e caracóis, uma iguaria para os
franceses. E tudo era preparado num único bico de gás que instalara no seu hamaguri.
Certa noite, a caminho de casa, Ohsawa
percebeu nos fundos de um mercado uma pilha de produtos amassados e
despedaçados que haviam sido varridos como lixo. Havia cenouras, folhas de
beterraba, repolhos, etc. Ele se agachou e arrastou para dentro da valise os
vegetais que nela couberam. De regresso a casa, cozinhou alguns para o jantar e
pendurou os restantes numa corda dentro do quarto para desidratarem. Os fundos
do mercado tornou-se-lhe, então, uma parada obrigatória durante o trajeto de
volta a casa.
Um dia, rapazotes surgiram e
puseram-se a encher um carrinho de mão com os vegetais lançados fora com o fito
de alimentar seus coelhos. Ficaram chocados ao verem um distinto cavalheiro
oriental apinhando sua pasta com folhas de rabanete. “Quantos coelhos o senhor
tem em casa?”, perguntaram-lhe. Constrangido, Ohsawa respondeu: “Oh, apenas um,
mas ele é enorme.” Tal expediente só atiçou a curiosidade dos rapazes, que
rogaram a Ohsawa que os levasse para ver o prodígio. Com muita dificuldade
conseguiu Ohsawa demovê-los da ideia.
ADOREI ESTA HISTORIA!ABRAÇOS EM TODOS OS AMIGOS METAMORFOSIANOS.
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