quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Globalizemos a Luta, a Esperança e o Conhecimento Camponês


Globalizemos a Luta,
a Esperança e o Conhecimento Camponês
João Pedro Stedile
                                               

E
stamos assistindo às graves consequências do modelo capitalista de produção no campo. A FAO acaba de anunciar que pela primeira vez na história da humanidade chegamos a um bilhão de pessoas que passam fome todos os dias. As agressões contra a natureza têm gerado mudanças climáticas que afetam não apenas aqueles que vivem no campo, como também quem vive nas cidades, em todos os continentes.

A água, por exemplo, transformou-se em uma mercadoria que os capitalistas utilizam para obter lucros. Hoje, a Coca-Cola ganha mais dinheiro vendendo água do que refrigerantes: o litro de água potável é ainda mais caro que o de gasolina. Isso nos diz que a vida em nosso planeta corre graves riscos, sobretudo para os seres humanos, caso não sejam tomadas medidas urgentes. Não se trata de paranoia nem de loucura de ambientalistas. Todos os dias temos provas e comprovações das nefastas consequências deste modelo de produção (e de consumo).

Tudo isso acontece porque depois que o neoliberalismo globalizou a forma capitalista de exploração na agricultura, dois modelos de produção agropecuária estão em disputa em todo o mundo.
De um lado, temos o modelo do agronegócio (agrobusiness): o domínio do capital sobre a produção dos bens da natureza. Isto é, a produção organizada de acordo com o critério do lucro máximo. Para consegui-lo, seus partidários buscam aumentar cada dia a escala de produção, tornando a área de monocultura cada vez maior. E, para viabilizar este projeto, necessitam de máquinas, assim como de grande quantidade de agrotóxicos.

O Brasil, por exemplo, transformou-se no maior consumidor mundial de agroquímicos, aplicando 713 milhões de litros por ano. Isto significa 3 mil litros de agrotóxicos por pessoa e 6 mil litros por hectare cultivado. Este modelo de produção agride o meio ambiente, é insustentável e desloca a mão de obra; portanto, é antissocial. Além do mais, só produz alimentos contaminados. Ou, pior ainda, não produz alimentos: produz commodities, produz mercadorias, produz dólares. Sua prioridade, como se vê, não é gerar alimentos para as pessoas.

Do outro lado, temos a proposta de uma agricultura familiar e camponesa, que vem se desenvolvendo ao longo da história humana. Este modelo de agricultura baseia-se na diversificação de culturas, na não utilização de agroquímicos e na harmonia entre todos os seres vivos da natureza.
Este modelo de agricultura é também o único que pode produzir alimentos sadios e viabilizar uma política de soberania alimentar, onde cada povo possa e deva produzir seus próprios alimentos. Como nos advertia José Martí: “um povo que não consegue produzir seus próprios alimentos é um povo escravo”. Estava certo, porque este povo sempre dependerá de outros para sua sobrevivência.

Para poder desenvolver-se e sobreviver frente à hegemonia do capital, nossa agricultura camponesa enfrenta grandes desafios em todo mundo. Primeiro, precisamos ser capazes de produzir alimentos sadios para toda a população, sem utilizar agrotóxicos: um desafio impressionante, sem dúvida. E, para ser sustentáveis ambientalmente, precisamos desenvolver técnicas agrícolas de produção que aumentem a produtividade do trabalho e a produtividade física de áreas cultivadas, sem agressões ao meio ambiente.

Por último, precisamos desenvolver sistemas de produção que garantam o aumento de renda dos camponeses e trabalhadores do campo, para que tenham uma vida melhor e para gerar alternativas de trabalho não agrícola, no campo, para nossa juventude. Isto é, que nossos sistemas de produção estejam articulados com cooperativas, agroindústrias locais e processos educativos, que gerem novas formas de trabalho – por meio do conhecimento científico – para a juventude.

Os desafios são grandes e as respostas virão a longo prazo, mas dessas respostas dependerá o futuro da humanidade. Para enfrentar tais desafios, o movimento camponês mundial deve buscar as respostas na sabedoria popular, organizando os conhecimentos que a humanidade tem acumulado ao longo dos séculos, para usá-los em cada bioma, em cada sistema da natureza onde os povos vivem. Isto é, precisa recorrer à ciência, pois os conhecimentos científicos não são senão a sistematização de conhecimentos sobre a realidade da natureza. Ao mesmo tempo, necessita de uma organização popular, dos camponeses, com unidade de propósitos e persistência em seus objetivos.

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