Globalizemos
a Luta,
a Esperança
e o Conhecimento Camponês
João
Pedro Stedile
E
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stamos assistindo
às graves consequências do modelo capitalista de produção no campo. A FAO acaba
de anunciar que pela primeira vez na história da humanidade chegamos a um
bilhão de pessoas que passam fome todos os dias. As agressões contra a natureza
têm gerado mudanças climáticas que afetam não apenas aqueles que vivem no
campo, como também quem vive nas cidades, em todos os continentes.
A água, por exemplo,
transformou-se em uma mercadoria que os capitalistas utilizam para obter
lucros. Hoje, a Coca-Cola ganha mais dinheiro vendendo água do que
refrigerantes: o litro de água potável é ainda mais caro que o de gasolina. Isso
nos diz que a vida em nosso planeta corre graves riscos, sobretudo para os
seres humanos, caso não sejam tomadas medidas urgentes. Não se trata de
paranoia nem de loucura de ambientalistas. Todos os dias temos provas e
comprovações das nefastas consequências deste modelo de produção (e de
consumo).
Tudo isso acontece porque depois
que o neoliberalismo globalizou a forma capitalista de exploração na
agricultura, dois modelos de produção agropecuária estão em disputa em todo o
mundo.
De um lado, temos o modelo do
agronegócio (agrobusiness): o domínio
do capital sobre a produção dos bens da natureza. Isto é, a produção organizada
de acordo com o critério do lucro máximo. Para consegui-lo, seus partidários
buscam aumentar cada dia a escala de produção, tornando a área de monocultura
cada vez maior. E, para viabilizar este projeto, necessitam de máquinas, assim
como de grande quantidade de agrotóxicos.
O Brasil, por exemplo,
transformou-se no maior consumidor mundial de agroquímicos, aplicando 713
milhões de litros por ano. Isto significa 3 mil litros de agrotóxicos por
pessoa e 6 mil litros por hectare cultivado. Este modelo de produção agride o
meio ambiente, é insustentável e desloca a mão de obra; portanto, é
antissocial. Além do mais, só produz alimentos contaminados. Ou, pior ainda,
não produz alimentos: produz commodities,
produz mercadorias, produz dólares. Sua prioridade, como se vê, não é gerar
alimentos para as pessoas.
Do outro lado, temos a proposta
de uma agricultura familiar e camponesa, que vem se desenvolvendo ao longo da
história humana. Este modelo de agricultura baseia-se na diversificação de
culturas, na não utilização de agroquímicos e na harmonia entre todos os seres
vivos da natureza.
Este modelo de agricultura é
também o único que pode produzir alimentos sadios e viabilizar uma política de soberania
alimentar, onde cada povo possa e deva produzir seus próprios alimentos. Como
nos advertia José Martí: “um povo que não consegue produzir seus próprios
alimentos é um povo escravo”. Estava certo, porque este povo sempre dependerá
de outros para sua sobrevivência.
Para poder desenvolver-se e
sobreviver frente à hegemonia do capital, nossa agricultura camponesa enfrenta
grandes desafios em todo mundo. Primeiro, precisamos ser capazes de produzir alimentos
sadios para toda a população, sem utilizar agrotóxicos: um desafio
impressionante, sem dúvida. E, para ser sustentáveis ambientalmente, precisamos
desenvolver técnicas agrícolas de produção que aumentem a produtividade do
trabalho e a produtividade física de áreas cultivadas, sem agressões ao meio
ambiente.
Por último, precisamos
desenvolver sistemas de produção que garantam o aumento de renda dos camponeses
e trabalhadores do campo, para que tenham uma vida melhor e para gerar
alternativas de trabalho não agrícola, no campo, para nossa juventude. Isto é,
que nossos sistemas de produção estejam articulados com cooperativas,
agroindústrias locais e processos educativos, que gerem novas formas de
trabalho – por meio do conhecimento científico – para a juventude.
Os desafios são grandes e as
respostas virão a longo prazo, mas dessas respostas dependerá o futuro da
humanidade. Para enfrentar tais desafios, o movimento camponês mundial deve
buscar as respostas na sabedoria popular, organizando os conhecimentos que a
humanidade tem acumulado ao longo dos séculos, para usá-los em cada bioma, em
cada sistema da natureza onde os povos vivem. Isto é, precisa recorrer à
ciência, pois os conhecimentos científicos não são senão a sistematização de
conhecimentos sobre a realidade da natureza. Ao mesmo tempo, necessita de uma
organização popular, dos camponeses, com unidade de propósitos e persistência
em seus objetivos.
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