A fragilidade terrena
e sua causa principal
Friedrich Nietzsche*
O
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lhando em torno, sempre deparamos com
pessoas que durante a vida inteira comeram ovos e não notaram que os de forma
alongada são os mais saborosos, que não sabem que uma tempestade é benéfica
para o ventre, que odores agradáveis são mais fortes no ar frio e claro, que o
nosso olfato não é o mesmo nas diferentes partes da boca, que toda refeição em
que se fala ou se ouve muito é prejudicial ao estômago. Ainda que esses
exemplos da falta de sentido de observação não satisfaçam, deve-se admitir que
as pessoas veem mal e raramente atentam às coisas
mais próximas possíveis. E isso não tem importância? – Considere-se, porém,
que quase todas as enfermidades físicas e
psíquicas do indivíduo decorrem dessa falta: de não saber o que nos é
benéfico, o que nos é prejudicial, no estabelecimento do modo de vida, na
divisão do dia, no tempo e escolha dos relacionamentos, no trabalho e no ócio,
no comandar e obedecer, no sentimento pela natureza e pela arte, no comer,
dormir e refletir; ser insciente e
não ter olhos agudos para as coisas
mínimas e mais cotidianas – eis o que torna a Terra um “campo do
infortúnio” para tantos. Não se diga que aí, como em tudo, a causa é a desrazão humana – há razão bastante e
mais que bastante, isso sim, mas ela é mal
direcionada e artificialmente
afastada dessas coisas pequenas e mais próximas. Sacerdotes e professores,
e a sublime ânsia de domínio dos idealistas de toda a espécie, inculcam já na
criança que o que importa é algo bem diferente: a salvação da alma, o serviço
do Estado, a promoção da ciência, ou reputação e propriedades, como meios de
prestar serviços à humanidade, enquanto seria algo desprezível ou indiferente a
necessidade do indivíduo, seus grandes e pequenos requisitos nas vinte e quatro
horas do dia. – Já Sócrates se defendia com todas as forças contra essa
orgulhosa negligência das coisas humanas em nome do ser humano, e gostava de
lembrar, com uma frase de Homero, a área e o conteúdo reais de toda preocupação
e reflexão: é aquilo e somente aquilo, dizia ele, “que em casa me sobrevém, de
bom e de ruim”.
*O
andarilho e sua sombra, na tradução de Paulo César de Souza.
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