Bolinhos
de Arroz
ou
Explosivos?
A
Viagem de Ohsawa pela Transiberiana
Ronald Kotzsch
E
|
m 1929
Ohsawa decidiu deixar o Japão e ir para a Europa. Sua vida em Tóquio era a de um homem
atarefado e com muitas responsabilidades. Como principal líder da Shoku-Yō Kai,
ele desempenhava as atividades de escritor, conferencista e orientador
macrobiótico. Seu terceiro casamento terminara em divórcio, e havia
descendentes tanto desta união quanto da segunda. Ohsawa ainda era responsável
pelo sustento de seu velho pai.
As
perspectivas na Europa eram, na melhor das hipóteses, incertas. Ohsawa não
tinha contatos em Paris e seu domínio da língua francesa era muito limitado.
Ele teria de esforçar-se muitíssimo para ganhar a vida e, ao mesmo tempo,
alcançar seu objetivo: introduzir a cultura japonesa –
e particularmente os ensinamentos da Shoku-Yō – no Ocidente.
A decisão de
Ohsawa, sob muitos aspectos imprudente, dá-nos a medida certa da sua
personalidade. Era ele, acima de tudo, um sonhador. Mas não um sonhador
qualquer. Ohsawa era um homem de ação, enérgico e confiante, um homem disposto
a realizar seus sonhos, não importando quão pretenciosos eles pudessem parecer.
Havia também, ardendo em sua alma, a chama da impetuosidade e da obstinação.
Ele mostrava-se ainda – e assim permaneceria durante toda a sua vida –
totalmente comprometido com a filosofia e a prática da Shoku-Yō, pronto a fazer
o possível e o impossível para ajudar a disseminá-las. E em que pese à sua
atitude para com a civilização ocidental, não conseguia ele esconder sua
admiração pela França e pelo culto francês à elegância e agudeza de espírito.
Arranjados os
assuntos de ordem particular e operacional, Ohsawa encheu vários caixotes com
livros e despachou-os com antecedência por navio. Num luminoso dia de primavera
daquele ano de 1929, ele deixou a estação ferroviária de Tóquio com
pouquíssimos pertences, enquanto seus concidadãos levavam a família para
deleitar-se com a beleza das cerejeiras em flor. O trem o levaria ao sul do
Japão, donde embarcaria num navio em direção à Coreia e em seguida em outro
trem com destino à estação terminal oriental da ferrovia Transiberiana. A
partir daí, comprimido num banco sem acolchoamento, Ohsawa empreenderia uma
viagem de quatorze dias e quatorze noites rasgando a vastidão que separa a Ásia
da Europa.
Ohsawa aproveitou
a viagem para passar por uma experiência dietética, levando consigo, como
alimento principal, musubi ou
bolinhos de arroz. Seu objetivo era verificar como se sentiria nutrindo-se
unicamente desses bolinhos. Musubi é
um tradicional e ainda popular alimento japonês para viagens. Consiste num
bolinho de arroz envolvido em folha de alga marinha nori e em cujo centro,
com o intuito de retardar a deterioração, foi comprimida uma ameixa japonesa
salgada ou umeboshi. Seu aspecto é
redondo, negro e razoavelmente firme. Na fronteira da Rússia, a guarda
soviética suspeitou que os bolinhos fossem bombas, e detiveram Ohsawa até que
ele os convencesse do contrário (talvez comendo uma das “bombas”!).
Ohsawa
deliciou-se com a longa viagem: sentado à janela, observava as planícies e
florestas sem fim da Sibéria escoando ao seu lado. Duas ou três vezes por dia,
contemplando a paisagem coberta de neve, ele ingeria lentamente um daqueles
bolinhos de arroz. Depois de vários dias, porém, eles começaram a apresentar um
bolor esverdeado por fora e um sabor azedo por dentro. Com o entusiasmo
inabalável de um verdadeiro otimista, Ohsawa admirou-se da doçura exótica que o
arroz adquirira e do quanto lembrava ela a do amazake, bebida fermentada de arroz usada especialmente em ocasiões
festivas. Findos os bolinhos, Ohsawa passou a ingerir grãos de arroz integral
tostados, que introduzia num cantil com água fervente. A experiência dietética
teria sido um sucesso absoluto, não fosse a ligeira constipação contraída por
Ohsawa. Mas, aceitando as frutas oferecidas de bom grado por um seu compatriota,
livrou-se Ohsawa do contratempo.
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