domingo, 5 de agosto de 2012

Bolinhos de Arroz ou Explosivos?


Bolinhos de Arroz
ou Explosivos?
A Viagem de Ohsawa pela Transiberiana
Ronald Kotzsch

E
m 1929 Ohsawa decidiu deixar o Japão e ir para a Europa.  Sua vida em Tóquio era a de um homem atarefado e com muitas responsabilidades. Como principal líder da Shoku-Yō Kai, ele desempenhava as atividades de escritor, conferencista e orientador macrobiótico. Seu terceiro casamento terminara em divórcio, e havia descendentes tanto desta união quanto da segunda. Ohsawa ainda era responsável pelo sustento de seu velho pai.
As perspectivas na Europa eram, na melhor das hipóteses, incertas. Ohsawa não tinha contatos em Paris e seu domínio da língua francesa era muito limitado. Ele teria de esforçar-se muitíssimo para ganhar a vida e, ao mesmo tempo, alcançar seu objetivo: introduzir a cultura japonesa e particularmente os ensinamentos da Shoku-Yō – no Ocidente.
A decisão de Ohsawa, sob muitos aspectos imprudente, dá-nos a medida certa da sua personalidade. Era ele, acima de tudo, um sonhador. Mas não um sonhador qualquer. Ohsawa era um homem de ação, enérgico e confiante, um homem disposto a realizar seus sonhos, não importando quão pretenciosos eles pudessem parecer. Havia também, ardendo em sua alma, a chama da impetuosidade e da obstinação. Ele mostrava-se ainda – e assim permaneceria durante toda a sua vida – totalmente comprometido com a filosofia e a prática da Shoku-Yō, pronto a fazer o possível e o impossível para ajudar a disseminá-las. E em que pese à sua atitude para com a civilização ocidental, não conseguia ele esconder sua admiração pela França e pelo culto francês à elegância e agudeza de espírito.
Arranjados os assuntos de ordem particular e operacional, Ohsawa encheu vários caixotes com livros e despachou-os com antecedência por navio. Num luminoso dia de primavera daquele ano de 1929, ele deixou a estação ferroviária de Tóquio com pouquíssimos pertences, enquanto seus concidadãos levavam a família para deleitar-se com a beleza das cerejeiras em flor. O trem o levaria ao sul do Japão, donde embarcaria num navio em direção à Coreia e em seguida em outro trem com destino à estação terminal oriental da ferrovia Transiberiana. A partir daí, comprimido num banco sem acolchoamento, Ohsawa empreenderia uma viagem de quatorze dias e quatorze noites rasgando a vastidão que separa a Ásia da Europa.
Ohsawa aproveitou a viagem para passar por uma experiência dietética, levando consigo, como alimento principal, musubi ou bolinhos de arroz. Seu objetivo era verificar como se sentiria nutrindo-se unicamente desses bolinhos. Musubi é um tradicional e ainda popular alimento japonês para viagens. Consiste num bolinho de arroz envolvido em folha de alga marinha nori e em cujo centro, com o intuito de retardar a deterioração, foi comprimida uma ameixa japonesa salgada ou umeboshi. Seu aspecto é redondo, negro e razoavelmente firme. Na fronteira da Rússia, a guarda soviética suspeitou que os bolinhos fossem bombas, e detiveram Ohsawa até que ele os convencesse do contrário (talvez comendo uma das “bombas”!).
Ohsawa deliciou-se com a longa viagem: sentado à janela, observava as planícies e florestas sem fim da Sibéria escoando ao seu lado. Duas ou três vezes por dia, contemplando a paisagem coberta de neve, ele ingeria lentamente um daqueles bolinhos de arroz. Depois de vários dias, porém, eles começaram a apresentar um bolor esverdeado por fora e um sabor azedo por dentro. Com o entusiasmo inabalável de um verdadeiro otimista, Ohsawa admirou-se da doçura exótica que o arroz adquirira e do quanto lembrava ela a do amazake, bebida fermentada de arroz usada especialmente em ocasiões festivas. Findos os bolinhos, Ohsawa passou a ingerir grãos de arroz integral tostados, que introduzia num cantil com água fervente. A experiência dietética teria sido um sucesso absoluto, não fosse a ligeira constipação contraída por Ohsawa. Mas, aceitando as frutas oferecidas de bom grado por um seu compatriota, livrou-se Ohsawa do contratempo.


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