terça-feira, 12 de junho de 2012

A Ordem Econômica e Ecológica da Dieta


A Ordem Econômica e Ecológica da Dieta
Michio Kushi
A
té o advento da Revolução Industrial, certos alimentos eram considerados artigos de luxo, enquanto outros faziam parte do dia a dia da população. Esta ordem econômica não era o resultado da ação humana, mas o reflexo direto da ordem da natureza. Ao longo da história, nossas safras mais econômicas têm sido as de cereais e feijões. Essas espécies vegetais proporcionam uma agricultura sustentável e são fáceis de armazenar. A terra onde crescem chega a ser trinta vezes mais bem aproveitada quando seus frutos são diretamente utilizados como alimento humano do que quando são destinados à cevagem animal, cujo objetivo último é satisfazer os adeptos do regime carnívoro.
Carne, aves, ovos e especialmente laticínios constituíam, no passado, alimentos dos que detinham o poder; e cereais e feijões, alimentos dos plebeus. Os únicos que podiam usufruir aqueles alimentos especiais eram os proprietários de terras, a realeza e o alto clero. Digno de nota é o fato de a obesidade ter-se limitado, até recentemente, a essas três classes privilegiadas. (Talvez não seja coincidência que a maioria das guerras tenha sido iniciada por membros dessa elite dietética.)
Hoje, a ordem econômica natural já não vigora, de maneira que o papel histórico dos alimentos encontra-se invertido. Os habitantes de guetos urbanos, por exemplo, vivem com os mais baixos níveis de renda, ingerindo embora açúcar refinado, farinha de trigo branca, carnes gordurosas e leite – alimentos tradicionalmente consumidos nos palácios. Por ouro lado, alguém terá de deslocar-se até uma loja de produtos naturais, certamente instalada num bairro de ricos, para poder comprar, a preço de ouro, víveres que outrora eram de pobres: arroz e feijão organicamente (isto é, primitivamente) cultivados!
Como a disponibilidade dos alimentos mudou drasticamente, não passa pela nossa cabeça que artigos hoje comuns como suco de laranja, tomates, especiarias, mel, leite são, na verdade, luxos tremendos. Mesmo que seus valores de mercado se encontrem baixos, são eles ainda artigos de luxo perante a ordem econômica natural, à qual o corpo humano se adaptou há dezenas de milhares de anos. É preciso olhar para além da economia tecnologicamente alterada dos dias de hoje e considerar o papel que cada alimento desempenha no âmbito da economia da natureza, pois se há algo que o nosso metabolismo respeita, é a ordem que preside a esta economia da natureza. Embora pareça a coisa mais natural do mundo beber leite de vaca, comer bife e chupar laranja todos os dias, fisiologicamente nós só podemos nos dar ao luxo de ingerir tais alimentos especiais uma ou duas vezes por mês, quiçá por ano.
A ordem econômica também implica uma ordem ecológica. Enquanto o vocábulo econômico significa “aquilo que se encontra facilmente e é mais eficaz em termos de uso”, o vocábulo ecológico evoca “aquilo que é próprio de determinada região e a mantém em equilíbrio.” Desde que os processos fabris e agrícolas que demandam alta tecnologia e consomem muita energia prejudicam o meio ambiente, seus produtos são menos ecológicos do que os alimentos mais simples, integrais e não adulterados da agricultura orgânica de pequena escala.
“Aquilo que é próprio de determinada região” sugere que façamos uso de alimentos que crescem próximo a nós ou que foram adaptados naturalmente a um clima semelhante ao de sua origem. Idealmente, deveríamos ingerir produtos que foram cultivados num raio de oitocentos quilômetros. Além de mais frescos e exigirem menos tecnologia para ser acondicionados e despachados, esses produtos foram se adaptando à nossa região enquanto cresciam. Seu equilíbrio mineral e seu teor de água, por exemplo, podem ser muito diferentes dos encontrados em produtos similares cultivados a três mil quilômetros de distância. Nunca é demais lembrar que dependemos do reino vegetal para transformar a luz do sol, a água, o solo e outros elementos da natureza em substâncias por nós assimiláveis. A ordem ecológica refere-se simplesmente ao fato de que vegetais cultivados à nossa volta nos nutrem com a natureza circundante, e não com a natureza de outras regiões.
Mesmo em períodos em que não é possível ingerir alimentos locais, podemos no mínimo escolher os da estação e usar os de regiões cujo clima é semelhante ao nosso. Em regiões ensolaradas, por exemplo, podemos usar com mais segurança um volume ligeiramente maior de frutas de clima quente do que em regiões frias (lembrando que as frutas, de um ponto de vista amplo, se incluem com mais propriedade na categoria “alimentos de luxo” do que na categoria “alimentos básicos”).
As técnicas culinárias também refletem o clima e a estação: em regiões frias e no inverno mais alimentos cozidos e menos alimentos crus são utilizados, enquanto o oposto é o que se pode verificar em regiões quentes e no verão. Aprender a aplicar os princípios da ordem ecológica no preparo das refeições é uma das condições para dominar a arte culinária macrobiótica.






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