A
Ordem Econômica e Ecológica da Dieta
Michio Kushi
A
|
té o advento da Revolução Industrial, certos alimentos eram
considerados artigos de luxo, enquanto outros faziam parte do dia a dia da
população. Esta ordem econômica não era o resultado da ação humana, mas o
reflexo direto da ordem da natureza. Ao longo da história, nossas safras mais
econômicas têm sido as de cereais e feijões. Essas espécies vegetais
proporcionam uma agricultura sustentável e são fáceis de armazenar. A terra
onde crescem chega a ser trinta vezes mais bem aproveitada quando seus frutos
são diretamente utilizados como alimento humano do que quando são destinados à
cevagem animal, cujo objetivo último é satisfazer os adeptos do regime
carnívoro.
Carne, aves, ovos e especialmente
laticínios constituíam, no passado, alimentos dos que detinham o poder; e
cereais e feijões, alimentos dos plebeus. Os únicos que podiam usufruir aqueles
alimentos especiais eram os proprietários de terras, a realeza e o alto clero.
Digno de nota é o fato de a obesidade ter-se limitado, até recentemente, a
essas três classes privilegiadas. (Talvez não seja coincidência que a maioria
das guerras tenha sido iniciada por membros dessa elite dietética.)
Hoje, a ordem econômica natural já
não vigora, de maneira que o papel histórico dos alimentos encontra-se
invertido. Os habitantes de guetos urbanos, por exemplo, vivem com os mais
baixos níveis de renda, ingerindo embora açúcar refinado, farinha de trigo
branca, carnes gordurosas e leite – alimentos tradicionalmente consumidos nos
palácios. Por ouro lado, alguém terá de deslocar-se até uma loja de produtos
naturais, certamente instalada num bairro de ricos, para poder comprar, a preço
de ouro, víveres que outrora eram de pobres: arroz e feijão organicamente (isto
é, primitivamente) cultivados!
Como a disponibilidade dos alimentos
mudou drasticamente, não passa pela nossa cabeça que artigos hoje comuns como
suco de laranja, tomates, especiarias, mel, leite são, na verdade, luxos
tremendos. Mesmo que seus valores de mercado se encontrem baixos, são eles
ainda artigos de luxo perante a ordem econômica natural, à qual o corpo humano
se adaptou há dezenas de milhares de anos. É preciso olhar para além da
economia tecnologicamente alterada dos dias de hoje e considerar o papel que
cada alimento desempenha no âmbito da economia da natureza, pois se há algo que
o nosso metabolismo respeita, é a ordem que preside a esta economia da
natureza. Embora pareça a coisa mais natural do mundo beber leite de vaca,
comer bife e chupar laranja todos os dias, fisiologicamente
nós só podemos nos dar ao luxo de ingerir tais alimentos especiais uma ou duas
vezes por mês, quiçá por ano.
A ordem econômica também implica uma
ordem ecológica. Enquanto o vocábulo econômico significa “aquilo que se
encontra facilmente e é mais eficaz em termos de uso”, o vocábulo ecológico evoca “aquilo que é próprio de
determinada região e a mantém em equilíbrio.” Desde que os processos fabris e
agrícolas que demandam alta tecnologia e consomem muita energia prejudicam o
meio ambiente, seus produtos são menos ecológicos do que os alimentos mais
simples, integrais e não adulterados da agricultura orgânica de pequena escala.
“Aquilo que é próprio de determinada
região” sugere que façamos uso de alimentos que crescem próximo a nós ou que
foram adaptados naturalmente a um clima semelhante ao de sua origem.
Idealmente, deveríamos ingerir produtos que foram cultivados num raio de oitocentos
quilômetros. Além de mais frescos e exigirem menos tecnologia para ser
acondicionados e despachados, esses produtos foram se adaptando à nossa região
enquanto cresciam. Seu equilíbrio mineral e seu teor de água, por exemplo,
podem ser muito diferentes dos encontrados em produtos similares cultivados a três
mil quilômetros de distância. Nunca é demais lembrar que dependemos do reino
vegetal para transformar a luz do sol, a água, o solo e outros elementos da
natureza em substâncias por nós assimiláveis. A ordem ecológica refere-se
simplesmente ao fato de que vegetais cultivados à nossa volta nos nutrem com a
natureza circundante, e não com a natureza de outras regiões.
Mesmo em períodos em que não é
possível ingerir alimentos locais, podemos no mínimo escolher os da estação e
usar os de regiões cujo clima é semelhante ao nosso. Em regiões ensolaradas,
por exemplo, podemos usar com mais segurança um volume ligeiramente maior de
frutas de clima quente do que em regiões frias (lembrando que as frutas, de um
ponto de vista amplo, se incluem com mais propriedade na categoria “alimentos
de luxo” do que na categoria “alimentos básicos”).
As técnicas culinárias também
refletem o clima e a estação: em regiões frias e no inverno mais alimentos
cozidos e menos alimentos crus são utilizados, enquanto o oposto é o que se
pode verificar em regiões quentes e no verão. Aprender a aplicar os princípios
da ordem ecológica no preparo das refeições é uma das condições para dominar a
arte culinária macrobiótica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário