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ntre as múltiplas facetas de George Ohsawa – poeta, filósofo,
escritor, tradutor, editor, conferencista, homem de negócios – destaca-se a de
curador. Aqueles que o seguiram de perto deixaram o extraordinário
testemunho das tantas vidas que Ohsawa libertou da dor, do sofrimento e da
morte estúpida. Françoise Riviére, que participou do primeiro acampamento
organizado por Ohsawa na França, não hesita em comparar as curas a que assistiu
às do Novo Testamento: “As curas realizadas no famoso acampamento de
Chelles, em 1957, foram tão impressionantes que não podemos senão equipará-las aos
milagres operados pelo Cristo.”
Mas o Ohsawa
curador jamais identificara a doença ao mal e a saúde ao bem. Ohsawa deu
mostras inequívocas de que alcançara o fundamental: sabia como poucos que um
princípio paradoxal governa o mundo fenomênico, que nada escapa à sua poderosa influência,
que mesmo a saúde e a doença não se furtam ao seu domínio.
Circunstâncias
houve em que Ohsawa percebeu que o “melhor” seria o “pior”: há doentes que se
não devem curar, sob pena de, uma vez libertos dos limites impostos pela
doença, multiplicarem a própria infelicidade e a dos que os cercam. Nestes
casos, deve o verdadeiro curador, arriscando-se embora a ser mal compreendido
pelo doente, negar-se a curá-lo.
É o próprio
Ohsawa quem nos relata um caso que vem muito a propósito.
Ouçamo-lo:
Não se deve curar a doença, mas sim o
doente.
Um dia, em 1944, já próximo ao fim da guerra,
o diretor de um laboratório farmacêutico veio procurar-me pedindo um conselho.
Tinha ficado rico fabricando um remédio especial para a cura da asma.
̶ Venho solicitar vossas instruções dietéticas.
̶ Estais doente?
̶ Sim, sofro de uma asma ‘incurável’.
̶ Asma? Mas e o vosso famoso medicamento?
̶ Ah, não tem adiantado.
̶ Mas não tem tido uma tão grande saída?
̶ Tudo é possível vender investindo somas
elevadas em anúncios diários nos jornais.
̶ Então o vosso produto não é eficaz?
̶ Deveis saber bem disto, uma vez que já
escrevestes tanto que não existe medicamento nem operação que cure a asma.
̶ Mas o vosso...
que é tão vendido... ?
̶ Caro Senhor, desconheceis o que é o comércio e
a indústria hoje em dia. Ganhei muito dinheiro, mas quanto mais ganhava tanto
mais gastava; e agora, por anos e anos, venho eu mesmo sofrendo de asma.
Desnecessário dizer que tentei todos os meios de cura, mas em vão. Vosso método
é minha última esperança. Conheço-o perfeitamente, pois foi graças aos vossos
ensinamentos, há dez anos, que minha esposa e filhos recuperaram a saúde e
ainda a conservam.
̶ Muito bem. Sinto-me feliz. Isto quer dizer que
vossa esposa adquiriu uma boa compreensão do meu método e teoria. Então, nada
tenho para dar-vos. Basta seguir vossa esposa, isto é, comer o que ela prepara
em casa e nada mais.
̶ Mas é muito difícil...
̶ Sim, eu sei. Tendes de comer fora,
diariamente, com vossos amigos e fregueses. Mas não tendes outra alternativa
entre viver e morrer, ser ou não ser, longevidade ou morte prematura.
Depois de uma movimentada
conversação, pois ele é muito Yang, despedi-o sem dar as instruções
solicitadas.
Após sua partida, minha secretária,
Srta. Sima Moriyama, que abandonou uma posição muito importante como
nutricionista a fim de ser uma de minhas secretárias, disse, parte para si
mesma e parte para mim:
̶ É muito justo. Não há necessidade de dar
instruções ao diretor de um laboratório farmacêutico que fabrica e vende tanto
veneno para empilhar dinheiro sem que, primeiramente, admita que tal indústria
é uma grande fraude, abandone seu negócio e confesse publicamente nos jornais
que engana seus concidadãos.
̶ Não, Srta. Sima, não foi esse o motivo por que
o despedi esta manhã. Não creio que ele terá disposição de seguir sua esposa,
apesar de ela ter feito todo o possível. Pela primeira vez cheguei à conclusão,
esta manhã, que ele deve ser repelido, que ele não deve ser curado.
̶ Mas por quê?
̶ Porque, de acordo com o diagnóstico baseado em
sua fisionomia, constatamos que ele possui características demasiado Yang
difíceis de erradicar. Ele é muito Yang,
não é verdade?
̶ Oh, sim, é verdade. É muito barulhento,
conversador, agitado...
̶ É isto mesmo; ele é demasiado Yang. Tem muitas
amantes e não pode ser um marido fiel. É uma infelicidade tanto para ele como
para a família. Mas, se é asmático, deve ser muito cauteloso. As crises
asmáticas são muito fortes e penosas. A asma é uma reação de seu sistema
nervoso autônomo e ajuda a contrabalançar seus excessos. Se fosse curado, como
é exageradamente Yang, ele e sua família teriam de sofrer muitos e maiores
padecimentos posteriormente.
Yin atrai Yang e Yang atrai Yin. É a lei
da natureza. Se comermos demasiado Yang, ficaremos demasiado Yin. Mais cedo ou
mais tarde teremos de compreender isto ou morrer.
Srta. Sima, não devemos curar a
doença, mas sim o doente. Às vezes temos de recusar curar aquele que seja
demasiado arrogante e egoísta, e esperar até que fique mais humilde e com
vontade de aprender.
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