Mikoto
Nakazono:
um
discípulo heterodoxo de Ohsawa
“A língua é a melhor e a pior de todas as coisas.”
Esopo
D
|
evo
a um amigo do Novo México a descoberta de Mikoto Nakazono, um discípulo heterodoxo de
Ohsawa. Nakazono conheceu Ohsawa em 1950, e permaneceu a seu lado,
aprendendo-lhe o método, por mais de uma década. Não sei de outro seguidor de
Ohsawa que tenha convivido com o mestre durante tanto tempo. Michio Kushi, como
sabemos, nem sequer frequentou a Maison
Ignoramus*, e mesmo Tomio Kikuchi por lá não se demorou mais que cinco
anos. Não deixa de ser inquietante, portanto, saber que o discípulo mais
obstinado tornou-se também o mais heterodoxo.
Nakazono acompanhou
Ohsawa em sua lendária viagem à Índia. Aguilhoado à variante rígida da
macrobiótica, Nakazono não a abandonou quando ele e Ohsawa aportaram àquelas
plagas. Não tardou, porém, que percebesse as pernas lhe traírem; quanto mais passavam
os dias, mais os membros fraquejavam. Foi então que o inesperado aconteceu.
Certa manhã, pelas ruas de Madras, Nakazono deparou um vendedor de leite de
coco e atreveu-se a ingerir um copo da bebida. Súbito sentiu-se melhor. Não
pensando duas vezes, atirou-se sobre o segundo copo e sorveu-o completamente.
Minutos depois, viu retornar-lhe às pernas a vitalidade.
Na mesma cidade de
Madras, Ohsawa projetou um dispensário e incumbiu Nakazono de cuidar de
aproximadamente quarenta doentes. Ao discípulo cabia até mesmo (e sobretudo!) a
preparação do alimento de acordo com as prescrições de Ohsawa. Nakazono notou,
no entanto, que os doentes não respondiam satisfatoriamente às orientações do
mestre. Lembrando-se da experiência com o leite de coco, deu-se conta de que
era necessário introduzir algumas modificações a fim de ajustar as receitas ao
meio geográfico em que se encontravam. Mais tarde, teve de reconhecer a
insuficiência dessas mesmas mudanças: era fundamental considerar também as
particularidades de cada enfermo.
Além dessas vivências na
Índia, houve outras que marcaram profundamente a trajetória de Nakazono.
Testemunhou ele, por exemplo, a morte de amigos que, gravemente enfermos,
seguiram cegamente os conselhos de Ohsawa. Viu, por outro lado, companheiros
seus, nas mesmas condições, alcançarem bons resultados praticando
descontraidamente a macrobiótica.
Mas talvez a experiência
mais impactante tenha a ver com o nascimento de seu segundo filho. Nakazono não
foi poupado de ver a crianças nascer com má formação óssea na região do quadril
– desgraça causada por uma profunda deficiência de cálcio.
Em busca de seu próprio
caminho, Nakazono deixou a companhia de Ohsawa e foi ao encontro de Koji
Ogasawara, mestre de Kototama, o
Princípio das Vibrações Sonoras. Ogasawara empenhou-se na tradução dos mais
antigos e secretos escritos japoneses, os registros Takeuchi, compostos na língua arcaica Yamato. Guardavam esses registros os ensinamentos do Princípio Kototama.
Depois de muito estudar o
Princípio das Vibrações Sonoras, Nakazono realiza o tour de force experimental de que resultarão suas principais descobertas.
Ingeria ele um alimento e em seguida
procurava perceber-lhe as vibrações que interagiam com nosso organismo. Aplicando
este método, Nakazono chegou a uma catalogação originalíssima dos alimentos
tendo em vista seus ritmos e seus efeitos sobre nossos órgãos e sistemas.
Como profundo conhecedor
do Princípio Kototama, Nakazono afirmava que as vibrações das palavras ou
capturavam a verdadeira essência dos fenômenos a que se referiam ou a deixavam
escapar. Se a capturavam, representavam efetivamente a realidade; se a deixavam
escapar, não eram mais que um engodo.
O Yin e o Yang, por
exemplo, são em geral objeto de confusão. A palavra Yin possui uma vibração
contrativa, embora na macrobiótica seja usada para indicar expansão. Por outro
lado, o termo Yang possui uma frequência expansiva, ainda que para os
macrobióticos signifique concentração. Se estes conceitos são mal
compreendidos, adverte-nos Nakazono, o nosso senso de realidade é alterado e a
verdade não pode ser atingida. A macrobiótica ressente-se desse mal-entendido,
instalado já em seu nascedouro.
A crítica de Nakazono à
macrobiótica, contudo, não era absoluta. Ele louvava Ohsawa por ter enfatizado
o uso de alimentos naturais, e não hesitava em lançar mão de alguns preparados
macrobióticos em suas orientações. Prevenia-nos, no entanto, de que a
macrobiótica não levava em conta suficientemente as diferenças ambientais e
individuais, o que a tornava uma dieta padronizada e nada flexível.
Por mais que se tenha
afastado de Ohsawa, ao menos num aspecto o ex-discípulo permaneceu-lhe fiel.
Ohsawa insistia em que “Todos os grandes homens são autônomos e fizeram-se por
si mesmos.” Não é outra coisa que nos diz Nakazono: “Não seja jamais um títere.
Tente as coisas por si mesmo e veja como o afetam, e então transmita o
resultado aos seus semelhantes. Não há outro caminho.”
*Maison Ignoramus (Casa dos Ignorantes),
nome dado por Ohsawa à sua escola.
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