domingo, 16 de junho de 2013

O Dilema da Vitamina B12

O Dilema da Vitamina B12
Christina Pirello
                                       


Dei ao ano de 1998 o título de “o ano infernal”. Todos os temos, não é mesmo? São anos por cujo término ansiamos. E viver um estilo de vida macrobiótico não garante, absolutamente, imunidade a tais anos. Podemos até gostar de pensar que a macrobiótica, de alguma forma, nos torna magicamente imunes a doenças e a outras calamidades. Mas será que alguém acredita piamente nisso? Em todo caso, eu acreditei. Por ter sobrevivido a um câncer graças à macrobiótica (minha prova de fogo), eu naturalmente pensava que o resto da minha vida transcorreria às mil maravilhas. Mal sabia eu que me encontrava na antessala do departamento de tragédias.
Estávamos em abril. Eu continuava trabalhando 30 horas por dia. Cozinhava em casa, dava aulas particulares e públicas de culinária e ainda ajudava Robert, meu marido, a tocar seus negócios. Na ocasião, eu também me preparava para a primeira temporada de meu programa televisivo de culinária. Eu e Robert já havíamos percebido que o trabalho alterara nossas vidas. Era preciso introduzir algumas mudanças com o propósito de descansar mais, divertir-se mais. Mas, por outro lado, adorávamos nosso trabalho, amávamos trabalhar juntos, e por isso nunca encontramos tempo para mudar de verdade. Afinal, nós estávamos “salvando o mundo” através da alimentação.
Eu estava ministrando um curso sobre alimentos saudáveis e (ah, ironia!) sentindo-me estranhamente irritável. Meu marido, embora com o pé quebrado, tentou ajudar-me a descarregar meus utensílios assim que cheguei a casa após a aula. Lembro-me de ter-lhe dito que ele estava mais atrapalhando do que ajudando, e Robert se foi mancando e um tanto confuso com a minha brusquidez.  Atribuí o mau humor a meu cansaço.
Quando levantei após alojar a última panela no armário de baixo, fui golpeada pela mais assombrosa e intensa dor que já havia experimentado. Era como se um picador de gelo tivesse penetrado na base de meu crânio. Gritei por Robert, que, percebendo o sentimento de pânico na minha voz, apareceu em um segundo. Roguei-lhe que ligasse para a emergência, pois estava tendo uma hemorragia cerebral. Não tenho a mínima ideia de como sabia exatamente o que estava acontecendo. Só sei que sabia. Logo depois, desmaiei.
No hospital, interrogada sobre minha forte dor de cabeça, respondi que estava sofrendo uma hemorragia cerebral. Os médicos, no entanto, disseram-me que era necessário proceder a alguns exames, a fim de constatar o que de fato estava acontecendo. Ao me dar conta de que me encontrava no setor de cuidados neurológicos intensivos, comecei a chorar. Embora fosse a dor excruciante, não era ela a razão de minhas lágrimas. Eu sabia que meu caso era sério, apesar das palavras reconfortantes dos doutores.
Robert permaneceu ao meu lado a noite toda, segurando-me a mão e conversando. Sabíamos que nos encontrávamos, mais uma vez, numa encruzilhada. Alguma mudança se instalaria em nossas vidas: disso estávamos seguros, mesmo não tendo ainda conhecimento da gravidade de minha condição.
No dia seguinte, o chefe do setor de neurocirurgia apareceu. Sentou-se ao meu lado, pegou minha mão e disse: “Trago boa e má notícia. A boa é muito boa, e a má é muito má. Qual você quer ouvir primeiro?”
Com a pior dor de cabeça do mundo, dei-lhe carta branca para escolher. E o que ele relatou chocou-me, levando-me mais uma vez a refletir sobre minha dieta e estilo de vida. Explicou ele que havia eu sofrido um aneurisma cerebral, acrescentando que 85% dos que são acometidos dessas hemorragias não sobrevivem. Como eu estava viva, imaginei que essa fosse a boa notícia.
Graças ao questionário a que eu respondera, o médico sabia que eu não fumava, não bebia café ou álcool, nem ingeria carne ou laticínios; que eu seguia uma dieta extremamente saudável e me exercitava regularmente. Ele também sabia, dado o resultado dos exames, que eu, na idade de 42 anos, não apresentava nenhum indício de placas nas veias ou artérias e nenhum sinal de bloqueio na circulação (fatores geralmente ligados a ocorrências de hemorragia cerebral). Mas o que ele viria a dizer mais tarde causar-me-ia espécie.
Desde que eu não me enquadrava nos padrões de quem é acometido de aneurisma cerebral, os médicos acharam por bem proceder a exames adicionais. Eles eram da opinião que havia alguma condição subjacente que contribuíra para o rompimento do aneurisma (talvez algum componente genético, pois eu apresentava três outros aneurismas na mesma região). Eles também ficaram desnorteados com a rápida regeneração da área onde se deu o rompimento do aneurisma. Os tecidos da artéria literalmente se uniram, e a dor que eu sentia explicava-se pela poça de sangue que pressionava os nervos. “Nunca havíamos testemunhado tal fenômeno”, disseram-me eles.
Concluídos os exames adicionais, o Dr. Zagar veio novamente ao meu encontro. Ele tinha respostas. Explicou que eu me encontrava seriamente anêmica e que meu sangue estava muitíssimo deficiente de vitamina B12, forçando meus níveis de homocisteína a aumentar o suficiente para provocar a hemorragia.
O Dr. Zagar advertiu-me de que as paredes de minhas veias e artérias revelavam-se tão finas quanto papel de arroz, o que se devia àquela deficiência; e que sem suplementação apropriada eu correria o risco de sofrer outra hemorragia, com probabilidade bem menor de final feliz. Além disso, informou-me ele que os resultados de meus exames indicaram ser minha dieta muito pobre em gordura, resultando em outras deficiências (assunto que reservarei para outro artigo). O Dr. Zagar ressaltou ainda que minha alimentação teria de ser modificada o quanto antes, por não ser compatível com meu ritmo de trabalho. Por outro lado, garantiu ele que meu estilo de vida e de alimentação, muito provavelmente, me livrou da morte.
Fiquei desconcertada. Eu seguia a dieta macrobiótica havia pelo menos quinze anos. Robert e eu preparávamos a maior parte de nossas refeições em casa, usando ingredientes da melhor qualidade. Eu acreditei nas informações que ouvia, que eu conseguiria a quantidade suficiente de nutrientes essenciais nos alimentos fermentados que ingeria diariamente. Oh, Deus! como eu estava errada!
Cheguei à macrobiótica com um sólido conhecimento de biologia. No começo de meus estudos holísticos, dada a minha formação científica, relutei muito em acreditar no que estava aprendendo sobre “energia”. Esse ceticismo se foi lentamente arrefecendo, e eu aprendi a unificar os dois estilos de pensamento a fim de criar meu próprio ponto de vista (o qual, aliás, me foi muito útil para lidar com tudo isso).
Comecei a pesquisar sobre vitamina B12, suas fontes e importância para saúde. Conscientizei-me de que, como vegan, enfrentaria dificuldades para consegui-la, uma vez que não me passava pela cabeça ingerir carne alguma. Durante a prática da macrobiótica eu também evitara suplementação, acreditando que obteria todos os nutrientes necessários a partir de uma alimentação sem carnes. O que descobri em minha pesquisa muito contribuiu para a recuperação e manutenção de minha saúde neurológica, tanto que não me vejo mais como uma bomba-relógio ambulante aguardando a próxima hemorragia cerebral.
Neste relato não vai nenhuma crítica a práticas ou crenças alheias. Embora seja tão somente a minha história, sua importância está em que alertamos as pessoas sobre a complexidade envolvida na arte de usar alimentos como fonte de cura.
A seguir, deter-me-ei nos resultados de minha pesquisa sobre a valiosa vitamina B12.
É a B12 uma vitamina do complexo B. Por conter cobalto, é ela também denominada cobalamina. Transmutada exclusivamente por bactérias, encontra-se principalmente em carnes, ovos e laticínios. A vitamina B12 é imprescindível à síntese das células vermelhas do sangue, à manutenção do sistema nervoso e ao crescimento e desenvolvimento das crianças. Por isso, uma deficiência de B12 pode causar anemia, neuropatia, derrame, degeneração das fibras nervosas e lesões neurológicas irreversíveis.
As funções primordiais da vitamina B12 dizem respeito à formação das células vermelhas do sangue e à manutenção da saúde do sistema nervoso. Ela é necessária à rápida síntese do DNA durante a divisão celular, tal como ocorre nos tecidos da medula óssea responsáveis pela formação das células vermelhas do sangue. Se há deficiência de B12, a produção de DNA é interrompida e células anormais chamadas megaloblastos surgem. O resultado é anemia acompanhada de cansaço, falta de ar, desatenção, tez pálida e baixa resistência a infecções, entre outros sintomas.
A B12 é também importante na manutenção do sistema nervoso. Os nervos são circundados por uma bainha oleosa e isolante formada de uma proteína complexa denominada mielina. A B12 desempenha um papel vital no metabolismo dos ácidos graxos essenciais e, por consequência, na manutenção da mielina. Uma prolongada deficiência de B12 pode levar à degeneração dos nervos e a lesões neurológicas irreversíveis, o que não raro resulta em apoplexia e hemorragia cerebral.
A forma mais comum de deficiência ocorre quando há uma falha na assimilação de B12 pelo intestino, e não, como se poderia imaginar, quando há uma deficiência na alimentação. A absorção de B12 requer a secreção pelas células que revestem o estômago de uma glicoproteína conhecida como fator intrínseco. O complexo vitamina B12 + fator intrínseco é então assimilado no íleo (porção distal do intestino delgado) na presença de cálcio. Certas pessoas não são capazes de produzir o fator intrínseco e por isso são tratadas com injeções de B12.
A vitamina B12 pode ser armazenada pelo corpo em pequenas quantidades. Um organismo adulto é capaz de armazenar de 2 a 5 mg de vitamina B12, e 80% dessa quantidade fica estocada no fígado. A B12 é excretada juntamente com a bile e então reabsorvida. Este processo é conhecido como circulação entero-hepática. Pessoas cuja dieta é baixa em B12 – incluindo vegans e alguns vegetarianos e macrobióticos – podem estar obtendo a vitamina mais em função da reabsorção do que de fontes alimentícias propriamente ditas. Por isso, às vezes é necessário decorrerem até mais de vinte anos para que doenças relacionadas à deficiência se desenvolvam em pessoas que aderiram a dietas desprovidas de B12. Em compensação, se a deficiência de B12 se deve a um problema de absorção, os distúrbios podem manifestar-se passados apenas três anos.
As únicas fontes naturais confiáveis de B12 são carnes, laticínios e ovos. Pesquisas foram empreendidas no sentido de descobrir fontes vegetais de B12, quer com subprodutos fermentados da soja, quer com algas ou vegetais do mar. Entretanto, análises dos fermentados da soja, incluindo tempeh, missô, shoyu e tamari, não revelaram níveis significativos de B12.
Por outro lado, spirulina – uma alga disponível em comprimidos como suplemento dietético – e nori – um vegetal marinho – pareciam conter quantidades significativas de B12. Pesquisas recentes têm mostrado, no entanto, que o que esses vegetais apresentam são, na verdade, compostos estruturalmente similares à B12 (análogos da vitamina B12) que o organismo humano não consegue aproveitar.
Estudos têm sugerido que supostos suplementos de B12, tais como spirulina, podem, de fato, aumentar o risco de distúrbios causados pela deficiência dessa vitamina, pois os análogos da B12 podem competir com a autêntica B12 e inibir nosso metabolismo. Por ora, o consenso científico é que nenhum alimento do reino vegetal pode ser considerado fonte confiável de vitamina B12.
Bactérias presentes no intestino grosso são capazes de sintetizar B12. Pensava-se outrora que a B12 produzida por essa colônia de bactérias podia ser absorvida e utilizada por nós. Mas a verdade é que essas bactérias produzem B12 numa região do intestino muito além daquela onde ocorre a absorção.
Boas fontes de vitamina B12 para vegetarianos são laticínios e ovos caipiras. Dependendo de como o iogurte é produzido, boa quantidade de B12 pode ser destruída. Portanto, no que toca aos laticínios, a escolha deve ser muito bem pensada.
E quanto aos vegans? A ciência recomenda que a dieta dos vegans inclua alimentos enriquecidos com vitamina B12. Hoje já se encontram leite de soja, pasta de girassol, cereais matinais aos quais foi adicionada a vitamina B12.
Tendo em vista aqueles que decidiram não ingerir qualquer tipo de proteína animal, é preciso insistir em que não há fonte vegetal de vitamina B12. Eu escolhi usar suplemento sublingual em vez de alimentos enriquecidos. Na verdade, o que importa mesmo é não deixar de incluir esta vitamina essencial na dieta vegan.
Baseada em minha própria experiência, posso eu afirmar que a dieta padrão macrobiótica não me forneceu a quantidade necessária de B12. Com uma simples suplementação, com o aumento da ingestão de gordura de boa qualidade e com um novo entendimento de como balancear trabalho e descanso, eu mais uma vez descobri o quanto a vida é um eterno aprendizado.



Nenhum comentário:

Postar um comentário