O
Dilema da Vitamina B12
Christina Pirello
Dei
ao ano de 1998 o título de “o ano infernal”. Todos os temos, não é mesmo? São
anos por cujo término ansiamos. E viver um estilo de vida macrobiótico não
garante, absolutamente, imunidade a tais anos. Podemos até gostar de pensar que
a macrobiótica, de alguma forma, nos torna magicamente imunes a doenças e a
outras calamidades. Mas será que alguém acredita piamente nisso? Em todo caso,
eu acreditei. Por ter sobrevivido a um câncer graças à macrobiótica (minha
prova de fogo), eu naturalmente pensava que o resto da minha vida transcorreria
às mil maravilhas. Mal sabia eu que me encontrava na antessala do departamento
de tragédias.
Estávamos
em abril. Eu continuava trabalhando 30 horas por dia. Cozinhava em casa, dava
aulas particulares e públicas de culinária e ainda ajudava Robert, meu marido,
a tocar seus negócios. Na ocasião, eu também me preparava para a primeira
temporada de meu programa televisivo de culinária. Eu e Robert já havíamos
percebido que o trabalho alterara nossas vidas. Era preciso introduzir algumas
mudanças com o propósito de descansar mais, divertir-se mais. Mas, por outro
lado, adorávamos nosso trabalho, amávamos trabalhar juntos, e por isso nunca
encontramos tempo para mudar de verdade. Afinal, nós estávamos “salvando o
mundo” através da alimentação.
Eu
estava ministrando um curso sobre alimentos saudáveis e (ah, ironia!)
sentindo-me estranhamente irritável. Meu marido, embora com o pé quebrado, tentou
ajudar-me a descarregar meus utensílios assim que cheguei a casa após a aula.
Lembro-me de ter-lhe dito que ele estava mais atrapalhando do que ajudando, e
Robert se foi mancando e um tanto confuso com a minha brusquidez. Atribuí o mau humor a meu cansaço.
Quando
levantei após alojar a última panela no armário de baixo, fui golpeada pela
mais assombrosa e intensa dor que já havia experimentado. Era como se um
picador de gelo tivesse penetrado na base de meu crânio. Gritei por Robert,
que, percebendo o sentimento de pânico na minha voz, apareceu em um segundo.
Roguei-lhe que ligasse para a emergência, pois estava tendo uma hemorragia
cerebral. Não tenho a mínima ideia de como sabia exatamente o que estava
acontecendo. Só sei que sabia. Logo depois, desmaiei.
No
hospital, interrogada sobre minha forte dor de cabeça, respondi que estava
sofrendo uma hemorragia cerebral. Os médicos, no entanto, disseram-me que era
necessário proceder a alguns exames, a fim de constatar o que de fato estava
acontecendo. Ao me dar conta de que me encontrava no setor de cuidados
neurológicos intensivos, comecei a chorar. Embora fosse a dor excruciante, não
era ela a razão de minhas lágrimas. Eu sabia que meu caso era sério, apesar das
palavras reconfortantes dos doutores.
Robert
permaneceu ao meu lado a noite toda, segurando-me a mão e conversando. Sabíamos
que nos encontrávamos, mais uma vez, numa encruzilhada. Alguma mudança se
instalaria em nossas vidas: disso estávamos seguros, mesmo não tendo ainda
conhecimento da gravidade de minha condição.
No
dia seguinte, o chefe do setor de neurocirurgia apareceu. Sentou-se ao meu
lado, pegou minha mão e disse: “Trago boa e má notícia. A boa é muito boa, e a
má é muito má. Qual você quer ouvir primeiro?”
Com
a pior dor de cabeça do mundo, dei-lhe carta branca para escolher. E o que ele
relatou chocou-me, levando-me mais uma vez a refletir sobre minha dieta e
estilo de vida. Explicou ele que havia eu sofrido um aneurisma cerebral,
acrescentando que 85% dos que são acometidos dessas hemorragias não sobrevivem.
Como eu estava viva, imaginei que essa fosse a boa notícia.
Graças
ao questionário a que eu respondera, o médico sabia que eu não fumava, não
bebia café ou álcool, nem ingeria carne ou laticínios; que eu seguia uma dieta
extremamente saudável e me exercitava regularmente. Ele também sabia, dado o
resultado dos exames, que eu, na idade de 42 anos, não apresentava nenhum
indício de placas nas veias ou artérias e nenhum sinal de bloqueio na
circulação (fatores geralmente ligados a ocorrências de hemorragia cerebral).
Mas o que ele viria a dizer mais tarde causar-me-ia espécie.
Desde
que eu não me enquadrava nos padrões de quem é acometido de aneurisma cerebral,
os médicos acharam por bem proceder a exames adicionais. Eles eram da opinião
que havia alguma condição subjacente que contribuíra para o rompimento do
aneurisma (talvez algum componente genético, pois eu apresentava três outros
aneurismas na mesma região). Eles também ficaram desnorteados com a rápida
regeneração da área onde se deu o rompimento do aneurisma. Os tecidos da artéria
literalmente se uniram, e a dor que eu sentia explicava-se pela poça de sangue
que pressionava os nervos. “Nunca havíamos testemunhado tal fenômeno”,
disseram-me eles.
Concluídos
os exames adicionais, o Dr. Zagar veio novamente ao meu encontro. Ele tinha
respostas. Explicou que eu me encontrava seriamente anêmica e que meu sangue
estava muitíssimo deficiente de vitamina B12, forçando meus níveis
de homocisteína a aumentar o suficiente para provocar a hemorragia.
O
Dr. Zagar advertiu-me de que as paredes de minhas veias e artérias revelavam-se
tão finas quanto papel de arroz, o que se devia àquela deficiência; e que sem
suplementação apropriada eu correria o risco de sofrer outra hemorragia, com
probabilidade bem menor de final feliz. Além disso, informou-me ele que os
resultados de meus exames indicaram ser minha dieta muito pobre em gordura,
resultando em outras deficiências (assunto que reservarei para outro artigo). O
Dr. Zagar ressaltou ainda que minha alimentação teria de ser modificada o
quanto antes, por não ser compatível com meu ritmo de trabalho. Por outro lado,
garantiu ele que meu estilo de vida e de alimentação, muito provavelmente, me
livrou da morte.
Fiquei
desconcertada. Eu seguia a dieta macrobiótica havia pelo menos quinze anos.
Robert e eu preparávamos a maior parte de nossas refeições em casa, usando
ingredientes da melhor qualidade. Eu acreditei nas informações que ouvia, que
eu conseguiria a quantidade suficiente de nutrientes essenciais nos alimentos
fermentados que ingeria diariamente. Oh, Deus! como eu estava errada!
Cheguei
à macrobiótica com um sólido conhecimento de biologia. No começo de meus
estudos holísticos, dada a minha formação científica, relutei muito em
acreditar no que estava aprendendo sobre “energia”. Esse ceticismo se foi
lentamente arrefecendo, e eu aprendi a unificar os dois estilos de pensamento a
fim de criar meu próprio ponto de vista (o qual, aliás, me foi muito útil para
lidar com tudo isso).
Comecei
a pesquisar sobre vitamina B12, suas fontes e importância para
saúde. Conscientizei-me de que, como vegan, enfrentaria dificuldades para
consegui-la, uma vez que não me passava pela cabeça ingerir carne alguma.
Durante a prática da macrobiótica eu também evitara suplementação, acreditando
que obteria todos os nutrientes necessários a partir de uma alimentação sem
carnes. O que descobri em minha pesquisa muito contribuiu para a recuperação e
manutenção de minha saúde neurológica, tanto que não me vejo mais como uma
bomba-relógio ambulante aguardando a próxima hemorragia cerebral.
Neste
relato não vai nenhuma crítica a práticas ou crenças alheias. Embora seja tão
somente a minha história, sua importância está em que alertamos as pessoas
sobre a complexidade envolvida na arte de usar alimentos como fonte de cura.
A
seguir, deter-me-ei nos resultados de minha pesquisa sobre a valiosa vitamina B12.
É
a B12 uma vitamina do complexo B. Por conter cobalto, é ela também
denominada cobalamina. Transmutada exclusivamente por bactérias, encontra-se
principalmente em carnes, ovos e laticínios. A vitamina B12 é
imprescindível à síntese das células vermelhas do sangue, à manutenção do
sistema nervoso e ao crescimento e desenvolvimento das crianças. Por isso, uma
deficiência de B12 pode causar anemia, neuropatia, derrame,
degeneração das fibras nervosas e lesões neurológicas irreversíveis.
As
funções primordiais da vitamina B12 dizem respeito à formação das
células vermelhas do sangue e à manutenção da saúde do sistema nervoso. Ela é
necessária à rápida síntese do DNA durante a divisão celular, tal como ocorre
nos tecidos da medula óssea responsáveis pela formação das células vermelhas do
sangue. Se há deficiência de B12, a produção de DNA é interrompida e
células anormais chamadas megaloblastos surgem. O resultado é anemia
acompanhada de cansaço, falta de ar, desatenção, tez pálida e baixa resistência
a infecções, entre outros sintomas.
A
B12 é também importante na manutenção do sistema nervoso. Os nervos
são circundados por uma bainha oleosa e isolante formada de uma proteína
complexa denominada mielina. A B12 desempenha um papel vital no
metabolismo dos ácidos graxos essenciais e, por consequência, na manutenção da
mielina. Uma prolongada deficiência de B12 pode levar à degeneração
dos nervos e a lesões neurológicas irreversíveis, o que não raro resulta em
apoplexia e hemorragia cerebral.
A
forma mais comum de deficiência ocorre quando há uma falha na assimilação de B12
pelo intestino, e não, como se poderia imaginar, quando há uma deficiência na
alimentação. A absorção de B12 requer a secreção pelas células que
revestem o estômago de uma glicoproteína conhecida como fator intrínseco. O
complexo vitamina B12 + fator intrínseco é então assimilado no íleo
(porção distal do intestino delgado) na presença de cálcio. Certas pessoas não
são capazes de produzir o fator intrínseco e por isso são tratadas com injeções
de B12.
A
vitamina B12 pode ser armazenada pelo corpo em pequenas quantidades.
Um organismo adulto é capaz de armazenar de 2 a 5 mg de vitamina B12,
e 80% dessa quantidade fica estocada no fígado. A B12 é excretada
juntamente com a bile e então reabsorvida. Este processo é conhecido como
circulação entero-hepática. Pessoas cuja dieta é baixa em B12 –
incluindo vegans e alguns vegetarianos e macrobióticos – podem estar obtendo a
vitamina mais em função da reabsorção do que de fontes alimentícias
propriamente ditas. Por isso, às vezes é necessário decorrerem até mais de
vinte anos para que doenças relacionadas à deficiência se desenvolvam em
pessoas que aderiram a dietas desprovidas de B12. Em compensação, se
a deficiência de B12 se deve a um problema de absorção, os
distúrbios podem manifestar-se passados apenas três anos.
As
únicas fontes naturais confiáveis de B12 são carnes, laticínios e
ovos. Pesquisas foram empreendidas no sentido de descobrir fontes vegetais de B12,
quer com subprodutos fermentados da soja, quer com algas ou vegetais do mar.
Entretanto, análises dos fermentados da soja, incluindo tempeh, missô, shoyu e tamari, não revelaram
níveis significativos de B12.
Por
outro lado, spirulina – uma alga
disponível em comprimidos como suplemento dietético – e nori – um vegetal marinho – pareciam conter quantidades
significativas de B12. Pesquisas recentes têm mostrado, no entanto,
que o que esses vegetais apresentam são, na verdade, compostos estruturalmente
similares à B12 (análogos da vitamina B12) que o organismo
humano não consegue aproveitar.
Estudos
têm sugerido que supostos suplementos de B12, tais como spirulina, podem, de fato, aumentar o
risco de distúrbios causados pela deficiência dessa vitamina, pois os análogos
da B12 podem competir com a autêntica B12 e inibir nosso
metabolismo. Por ora, o consenso científico é que nenhum alimento do reino
vegetal pode ser considerado fonte confiável de vitamina B12.
Bactérias
presentes no intestino grosso são capazes de sintetizar B12.
Pensava-se outrora que a B12 produzida por essa colônia de bactérias
podia ser absorvida e utilizada por nós. Mas a verdade é que essas bactérias
produzem B12 numa região do intestino muito além daquela onde ocorre
a absorção.
Boas
fontes de vitamina B12 para vegetarianos são laticínios e ovos
caipiras. Dependendo de como o iogurte é produzido, boa quantidade de B12
pode ser destruída. Portanto, no que toca aos laticínios, a escolha deve ser
muito bem pensada.
E
quanto aos vegans? A ciência recomenda que a dieta dos vegans inclua alimentos
enriquecidos com vitamina B12. Hoje já se encontram leite de soja,
pasta de girassol, cereais matinais aos quais foi adicionada a vitamina B12.
Tendo
em vista aqueles que decidiram não ingerir qualquer tipo de proteína animal, é
preciso insistir em que não há fonte vegetal de vitamina B12. Eu
escolhi usar suplemento sublingual em vez de alimentos enriquecidos. Na
verdade, o que importa mesmo é não deixar de incluir esta vitamina essencial na
dieta vegan.
Baseada
em minha própria experiência, posso eu afirmar que a dieta padrão macrobiótica
não me forneceu a quantidade necessária de B12. Com uma simples
suplementação, com o aumento da ingestão de gordura de boa qualidade e com um
novo entendimento de como balancear trabalho e descanso, eu mais uma vez
descobri o quanto a vida é um eterno aprendizado.