quinta-feira, 4 de abril de 2013

Degeneração e Colapso da Humanidade


Degeneração e Colapso
da Humanidade


N
umerosos mitos primitivos relatam a destruição da humanidade por cataclismos de grandes proporções. O cortejo de desgraças inclui tremores de terra, incêndios, inundações, desabamentos. Se já não fabulamos mitos escatológicos, não quer isto dizer que estejamos ao abrigo de desastres naturais gigantescos. Hoje é a própria ciência que se encarrega de advertir-nos do fim catastrófico da humanidade. O superciclone que matou trinta mil pessoas na Índia e as inundações sem precedentes que atingiram a Grã-Bretanha são apenas indícios do que ainda está por vir. Caso a crise ambiental prossiga, vaticinam os cientistas, as catástrofes se intensificarão e a vida humana será varrida do planeta.

A ciência, no entanto, não despertou ainda para outro fenômeno que põe em risco nossa espécie e civilização. Atualmente, cardiopatias, cânceres, doenças mentais, problemas reprodutivos, deficiências imunológicas vitimam a população mundial independente de etnia e cultura, crença e costume, idade e escolaridade. Esses e outros males se propagam num ritmo vertiginoso. Cada indivíduo da moderna civilização será fatalmente atingido por uma (ou mesmo mais de uma) dessas moléstias. Embora a ciência não perceba a gravidade da situação, o fato é que a degeneração biológica, psicológica e espiritual da humanidade constitui uma ameaça real à continuação da espécie.

Crise ambiental e crise degenerativa. Em nosso horizonte pairam, negras e densas, essas duas nuvens ameaçadoras. A tempestade só começou, pois tende a avolumar-se terrivelmente nas próximas décadas.

Entretanto, cravando “mais dentro a faca do raciocínio”, logo fica patente que a primeira crise não é senão um sintoma, um resultado inevitável da segunda. À medida que adoecemos física, psíquica e espiritualmente, cresce em nós a incapacidade de compreender que a Natureza e o Homem constituem uma totalidade, que cada golpe desferido no meio ambiente representa um golpe desferido em nossa própria face. Para dar fim à crise ambiental é imperativo dar fim à crise degenerativa.

Mas como deter a marcha da degeneração biológica, psicológica e espiritual da humanidade? Medidas educativas, religiosas e médicas têm sido adotadas sem resultado algum. A educação moderna não contribui para fortalecer o entendimento humano, pois direciona todos os seus esforços para a formação técnica e profissional. As religiões institucionalizadas estão longe de promover nosso desenvolvimento espiritual. A medicina moderna, com sua visão mecanicista e sintomática, mostra-se impotente na prevenção e cura das doenças, sejam elas físicas ou psíquicas.

Se esta tendência degenerativa não for pelo menos controlada, dentro de algumas décadas quase toda a população mundial perderá órgãos, glândulas e outras partes do corpo em intervenções cirúrgicas. Quase todos tentarão mitigar a condição degenerativa recorrendo a transplantes, a funções monitoradas por máquinas, a terapias hormonais. Mas ao lado desta artificialização biológica veremos surgir ainda algo mais ameaçador: a artificialização psicológica. Território por excelência da liberdade, o pensamento humano tornar-se-á um feudo controlado pelos psicotrópicos. Na verdade, este tipo de controle já vem sendo praticado em instituições correcionais e psiquiátricas há tempos; e hoje, tanto escolas quanto empresas começam a se utilizar dele. Não nos espantemos se daqui a alguns anos o uso de ansiolíticos, sedativos, antidepressivos e de toda a sorte de droga sintética que atue sobre o psiquismo humano transpasse os muros das instituições e avance decididamente sobre a intimidade de nossos lares. Turvando-nos o discernimento e o raciocínio, serão os psicotrópicos o ópio nosso de cada dia.

Tal processo de artificialização pode, contudo, agravar-se, inaugurando na história da humanidade a era da bionização e da psiconização. A bionização caracterizar-se-á pela mecanização generalizada das estruturas e funções biológicas. O conhecimento técnico será capaz de produzir dispositivos artificiais que substituirão os órgãos degenerados e as funções que lhes são correspondentes. Por outro lado, com o advento da psiconização, o apagamento da memória e a instalação de uma memória artificial deixarão de fazer parte da ficção científica. Biocomputadores poderão interagir diretamente com a mente humana, dispositivos eletromagnéticos e outras engenhocas poderão regular e reorientar o pensamento humano. Consequentemente, a concepção humana da vida correrá o risco de ser substituída por uma visão artificial, na qual os conceitos de saúde, amor, paz, justiça, vida, morte, Deus, enfim, se apresentarão deturpados.

Importa observar que, atualmente, a ciência já revela a disposição de entregar-se de corpo e alma a pesquisas direcionadas à artificialização da vida. Vivemos, de fato, uma contradição: de um lado, a crescente degeneração de nosso organismo; de outro, os esforços multiplicados para criar estruturas mecânicas que nos transformarão em seres totalmente artificiais. Não deveria a ciência buscar as causas da degenerescência humana?

Embora a crise degenerativa se manifeste também nas dimensões psíquica e espiritual, há dois importantes motivos para buscar suas raízes no plano biológico. O primeiro motivo é que a qualidade do nosso discernimento e comportamento depende amplamente da qualidade de nossos órgãos e tecidos. A ideia de que nossas dimensões mais “sutis” se deixam influenciar por nossas dimensões mais “densas” é compartilhada por várias tradições médicas. Mesmo na modernidade e no Ocidente há eruditos que reconhecem tal influência. Na primeira metade do século passado, o sábio médico brasileiro Antônio da Silva Mello já ressaltava: “O que nos falta é antes de tudo harmonia interna, muito dessa felicidade que vem dos órgãos e dos tecidos e que é até capaz de contribuir para dar direção às nossas visões filosóficas e religiosas.”

 O segundo motivo é que nunca houve na história da humanidade degradação como a que atinge hoje nossa origem biológica mais imediata, qual seja, os alimentos. Nossos órgãos e tecidos, nosso sangue e nossas células não são senão uma metamorfose dos alimentos diários que ingerimos. Antes da Segunda Guerra Mundial, todos os alimentos eram cultivados praticamente com métodos naturais. Não obstante tenha a produção de agroquímicos se desenvolvido no período da Primeira Guerra Mundial, seu uso epidêmico instalou-se somente após o ano de 1945, quando a produção fabril voltada para guerra se viu forçada a redirecionar-se para outros fins. Como adverte Vandana Shiva, “Estamos comendo as sobras da Segunda Guerra Mundial. As substâncias químicas usadas no conflito estão sendo empregadas hoje como pesticidas e herbicidas.” O uso generalizado dessas substâncias na agricultura acabou por enfraquecer nossos alimentos, adulterá-los, corroer-lhes, enfim, o vigor original.

Além disso, é preciso assinalar que o progresso tecnológico muito contribuiu para alterar os padrões alimentares da humanidade. O desenvolvimento dos meios de transporte, por exemplo, permitiu que alimentos não locais, outrora considerados de luxo, aportassem à mesa cotidiana do mais modesto dos cidadãos. O avanço das técnicas de refrigeração, por sua vez, facultou o consumo exagerado de carnes e laticínios.

Que rareia na humanidade atual a saúde dos órgãos e tecidos deve explicar-se pela desvitalização dos alimentos e pela mixórdia que se tornou a alimentação hodierna.

“A viagem de mil milhas começa com um passo.” Talvez seja este o mais importante ensinamento de Lao Tsé. Se a humanidade deseja verdadeiramente salvar-se do colapso total, o primeiro passo consiste em observar os princípios da agricultura natural e voltar-se para os padrões alimentares das sociedades tradicionais.


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