Sagen Ishizuka:
A Potência Transformadora do Alimento
(Parte Quinta)
Ronald E. Kotzsch
Estimulado por essas
fontes, Ishizuka decide mudar sua alimentação. Elimina a carne e o leite, e
põe-se a comer arroz não polido como alimento principal. A doença, até então
rebelde aos tratamentos modernos, cede diante da sabedoria ancestral.
Por volta de 1880,
Ishizuka tinha já, segundo Ohsawa, formulado a base de sua teoria. Mas ele nada
publicou à época, só vindo a fazê-lo
mais de uma década depois. Nesse ínterim, deu continuidade a seus estudos e pesquisas,
acumulando dados que corroborassem suas ideias. Numa época obcecada pela
ciência, foi ele, acima de tudo, um cientista. Procurou, além de testar e
validar suas teorias, apresentá-las de um modo convincente. De qualquer
maneira, ele e seu trabalho seriam recebidos com escárnio e ceticismo.
Nos anos seguintes
Ishizuka continuou os experimentos em si próprio. Certa vez, com o intuito de
determinar seus efeitos, alimentou-se exclusivamente com batata-doce durante um
mês. Mas não deixava escapar a oportunidade de verificar em outros indivíduos
os resultados de determinada alimentação. Como médico da cavalaria, era ele
encarregado de recuperar os soldados feridos e doentes. Tentou várias dietas
num recruta para saber qual delas estimulava mais sua recuperação. A saúde dos
animais também ficava a seu cargo. Em dada ocasião, deparou-se-lhe um cavalo
rebelde no acampamento. Ishizuka aboliu a ração de aveia e sal (uma alimentação
humana, como ele argumentou) e permitiu que o animal pastasse sobre a grama
selvagem. O cavalo tornou-se dócil e fácil de adestrar.
Ishizuka ainda ocupou-se
com pesquisas antropológicas, algumas a partir de fontes indiretas. Ele lia
tudo sobre os povos tradicionais espalhados pelo mundo – esquimós, mongóis,
nativos de Kamchatka –, recolhendo principalmente informações a respeito de
suas dietas, fisionomia e características dominantes. Nas forças armadas, ele
observou soldados de várias partes do Japão e China. Manteve um registro
cuidadoso e sistemático dos tipos físicos e raciais, e das dietas e
comportamentos.
Ishizuka também levou a
cabo experiências químicas, muitas das quais imaginativas, embora, para nosso
olhar contemporâneo, algo primitivas. A fim de comparar a digestibilidade da
gema e da clara do ovo, por exemplo, ele planejou uma experiência de laboratório
com o missô. As bactérias presentes na pasta de soja fermentada assemelham-se
àquelas que realizam a digestão no intestino humano. Ishizuka, então, misturou
em um recipiente missô com a gema de ovo, e em outro missô com a clara de ovo.
A gema decompôs-se mais rapidamente, sendo, portanto, considerada de mais fácil
digestão. Em outra experiência, Ishizuka testou os efeitos do sódio na
oxidação. Deixou ele de molho em água salgada uma corda, secou-a e, depois,
mediu sua combustibilidade. A corda queimou mais lentamente do que outra
inalterada. Ishizuka concluiu, pois, que o excesso de sódio no organismo inibe
a oxidação. Além de pesquisar, lia revistas científicas publicadas no Ocidente.
Ishizuka também lia sobre
história dos alimentos e sabedoria tradicional alimentar, sobretudo do Oriente.
Seus estudos sobre o Budismo convenceram-no de que Sidarta Gautama proibira aos
monges a ingestão de carne não apenas para evitar o sacrifício de uma vida, mas
também para evitar os efeitos adversos da carne sobre o desenvolvimento
espiritual. Buda, segundo ele, sustentava que a saúde é a condição natural do
organismo humano e que os grãos são o alimento purificador por excelência. Os
sábios chineses Confúcio e Mêncio já haviam advertido contra a ingestão de
carne e outros alimentos similares. Ishizuka descobriu que durante o Período
Han (207 a.C. – 220 d.C.), no ápice da civilização chinesa, o alimento básico
era o arroz integral tostado cozido no vapor. Voltando-se para o Japão antigo,
tomou conhecimento de que o Imperador Temmu (que governou o país de 673 d.C. a
686 d.C.) expedira uma ordem contra o consumo de animais domesticados, e que
entre as leis do clã do samurai KiyomasaKatō (século XV) destacava-se a
proibição do polimento do arroz. Informou-se ainda de que, até o período
moderno, o costume nacional consistia em alimentar-se apenas duas vezes ao dia,
prática que persistiu em certas regiões, como a província de Niigata, mesmo com
a ocidentalização.
Em 1895, embora ocupando
um alto cargo no Exército (era, o que não deixa de ser irônico, chefe do
Departamento Farmacêutico), Ishizuka demitiu-se. Começou a praticar a medicina
como profissão liberal e a preparar sua obra para publicação. Justamente nesse
período, havia no Japão um movimento conservador e nacionalista. Os valores
ocidentais, sobretudo os concernentes à moral e às relações sociais, estavam
sendo questionados. Enfatizava-se a cultura tradicional japonesa e a
conservação do Yamato-damashii.
Talvez Ishizuka tenha sido encorajado por essa reação a apresentar suas ideias
ao público.
De qualquer forma, em
1897 Ishizuka publicou seu opus magnum:
KagakutekiShoku-YōChōjuron (Teoria
Nutricional e Química da Longevidade). O volume, de 500 páginas, expõe os
resultados de todos os seus estudos e pesquisas. Na primeira página ele anuncia
seu propósito: “formular uma disciplina alimentar prática baseada em leis
científicas.” E ele é fiel a esse objetivo. Sua teoria geral da fisiologia
humana, do alimento, da saúde, da doença e da medicina fundamenta-se na relação
entre os elementos químicos sódio (Na) e potássio (K). Ishizuka descreve as
características dos dois sais e explica como eles controlam o funcionamento de
todo o organismo humano. Ele fornece tabelas com a análise dos conteúdos de
sódio e potássio nos vários alimentos, além de mapas com a distribuição
geográfica desses últimos. Apresenta tantas informações científicas, que quase
compromete a importância prática de seu livro.
Quando Ishizuka menciona
práticas tradicionais e a sabedoria popular, ele deixa claro que seu objetivo é
tão somente fornecer evidências comprobatórias. Sua teoria sustenta-se na
química e ciência moderna. Ele não lança mão de termos tradicionais. Ohsawa,
que introduziu a filosofia do Yin e Yang no movimento inaugurado por Ishizuka,
alega que a teoria do sódio-potássio derivou dessa antiga classificação dos
fenômenos. Embora Ishizuka tenha provavelmente sofrido influência do pensamento
antigo, arraigado na cultura japonesa, ele não dá indicações que comprovem tal
fato. Ele menciona os termos uma ou duas vezes, casualmente, e segue mantendo
tanto uma abordagem quanto um vocabulário admiravelmente moderno e científico.
Escrevendo em plena era da ciência, Ishizuka não se arriscou a comprometer sua
mensagem com o uso de categorias e conceitos considerados obsoletos e
supersticiosos.
Em 1898 um segundo livro
vem a lume: ShokumotsuYōjōhō: IchimeiKagakutekiShoku-Yō Tai Shin Ron
(Um Método para Nutrir a Vida por Meio do Alimento: Uma Incomparável Teoria
Química e Nutricional do Corpo e da Alma). Ishizuka concebeu esta obra como um
manual prático dirigido ao grande público, uma ferramenta para qualquer
indivíduo obter “mais saúde, boa memória, desenvolvimento mental e
tranquilidade espiritual.” Escrito em linguagem simples e direta, e omitindo a
maioria das informações técnicas, o volume concentra-se nos caminhos práticos
para se alcançarem a saúde e a longevidade. Ishizuka menciona alguns de seus
experimentos e cita evidências históricas e antropológicas, mas em geral remete
os leitores à sua primeira obra para maiores detalhes. Embora esclareça que o
livro se baseie em rigorosa pesquisa científica, ele insiste sobre suas
implicações na vida diária. Ao contrário do Chōjuron,
este segundo livro contou com ampla distribuição, alcançando vinte e três
edições.