Sagen Ishizuka:
A Potência Transformadora do Alimento
(Parte Quarta)
Ronald E. Kotzsch
Ishizuka também sofreu
forte influência de Nanboku Mizuno. Nanboku tornou-se bastante conhecido no
final dos anos 1700. Foi ele um pioneiro da fisiognomonia, estudo das relações
entre as características físicas e a personalidade dos indivíduos. Para
aprofundar-se nesta arte, Nanboku passou anos trabalhando como barbeiro, depois
como assistente em instalações públicas de banho, e finalmente como ajudante
num crematório. Em tais empregos, teve ele a oportunidade de observar uma
legião de indivíduos e correlacionar-lhes o padrão constitucional e os traços fisionômicos
com o destino e a personalidade. Em 1788, os primeiros cinco volumes de seu “O
Método Nanboku de Fisiognomonia” viriam a lume. Em 1805, os cinco últimos
seriam publicados.
A arte de Nanboku
consistia fundamentalmente em revelar o caráter de uma pessoa, assim como seu
passado e futuro, através da observação minuciosa de sua aparência física. Seus
livros trazem longas seções sobre o significado de vários tipos de nariz,
olhos, orelhas, boca, cabeça e sinais incomuns. Por exemplo, narinas extremamente
alargadas indicam uma pessoa muito enérgica, talvez agressiva; já uma pinta na
bochecha esquerda denuncia um tagarela. Nanboku afirmava que, enquanto nossa
estrutura fisionômica é em grande parte herdada, nossa aparência é radicalmente
influenciada por nossa alimentação e estilo de vida. Este ponto de vista bem
como a ideia de que a fisiologia está intimamente relacionada à psicologia, ao
comportamento e mesmo à espiritualidade influenciaram sobremaneira a Ishizuka.
Provavelmente Ishizuka
deixou-se inspirar também pela obra de Ekken Kaibara, filósofo, escritor e
divulgador do pensamento e da moral confucianos que viveu entre 1630 e 1714.
Kaibara escreveu sobre uma ampla variedade de temas, incluindo filosofia,
educação, ética e história natural. Sua obra “Regras para Nutrir a Vida”
consiste num manual prático de higiene e cuidados para com a saúde. Amplamente
lida no Período Edo, converteu-se num clássico da medicina e sabedoria
populares. Embora Ishizuka não a mencione em seus próprios escritos – e
tampouco o faça Ohsawa em sua biografia de Ishizuka–, muito provavelmente a
obra teve grande influência sobre o pensamento do precursor da macrobiótica. É
inconcebível que, na qualidade de sério estudante da medicina tradicional, não
tenha Ishizuka compulsado desde cedo o famoso volume.
Os ensinamentos médicos e
práticos de Kaibara baseiam-se largamente nos antigos textos chineses,
incluindo o Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo. Uma de suas
ideias centrais insiste em que, dos diversos fatores que afetam nossa saúde, o
alimento e a bebida são os mais importantes. Para defendê-la, cita um antigo
ditado: “Se a calamidade sai pela boca, a doença por ela entra.” Afirma que “de
tudo o que comemos e bebemos, o mais importante é o arroz.” Podemos suplementá-lo
com carne e vegetais; “a carne, ingerida raramente, não traz consequências
funestas.” Citando ainda os antigos, escreve: “Os cereais devem prevalecer
sobre a carne”, “a carne dos quadrúpedes revela-se prejudicial aos japoneses,
dada a debilidade de seus intestinos e estômago.”
A essência da terapêutica
de Kaibara reside no autocontrole e na moderação, seja no beber e no comer,
seja na atividade sexual, no dormir e na conversação. Dever-se-ia comer apenas
quando a sensação de fome estivesse claramente presente, e só o correspondente
a 80% da capacidade do estômago. Não se deveria dormir logo após as refeições,
mas sim executar alguma atividade leve, sendo a caminhada uma excelente opção.
Seria aconselhável ainda diminuir deliberadamente a frequência da atividade
sexual com o passar dos anos. Recomendar-se-ia também não dormir muito nem
deixar-se levar pela tagarelice. O segredo da saúde e da longevidade está,
pois, em controlar esses desejos e evitar as sete emoções extremas: alegria
desmesurada, raiva, preocupação, tristeza, medo, melancolia e espanto.
Procedendo assim, seria o homem capaz de conservar a vitalidade e viver uma
longa vida, livre de doenças e debilidades.
Segundo Kaibara, a vida
do homem pode e deveria ser longa e feliz. Poderia o homem chegar, segundo
Kaibara, tranquilamente aos cem anos. Se alguém pratica o Yōjōhō (“método para nutrir a vida”), isso pode muito bem ser
concretizado. E durante esse tempo, o homem deveria ser feliz e saudável, capaz
de experimentar prazer infinito mesmo nas coisas simples do dia a dia, como ler
poesia, contemplar a natureza e a mudança das estações, comer vegetais
cultivados em seu próprio quintal, beber saquê (moderadamente, é claro!).
“Afinal de contas, deleite e prazer são coisas a que o Céu e a Terra destinaram
os seres viventes, e de que os homens já nasceram dotados.” Kaibara é um
defensor da moderação, não do ascetismo. Para ele, uma vida curta ou enferma
constitui uma calamidade que o homem atrai para si mesmo mediante a imprudência
e a autoindulgência. É uma espécie de suicídio.