É George Ohsawa conhecido
geralmente como o fundador da macrobiótica. Embora tenha transmitido ao
movimento sua marca pessoal, não foi ele, porém, seu criador. O próprio Ohsawa
cita, com frequência, o médico japonês Sagen Ishizuka como inspirador e mestre.
Ishizuka, com efeito, iniciou o movimento que mais tarde se chamaria
“macrobiótica”. Seus ensinamentos constituem o alicerce sobre o qual Ohsawa e
outros mais ergueram a própria obra.
Nascido em 1850, no ocaso
do Período Edo (1600-1868), Sagen Ishizuka viveu a fase adulta durante as
primeiras décadas do Japão moderno. Nessa época, passou o Japão por céleres e
radicais mudanças, substituindo vários elementos de sua cultura tradicional por
empréstimos do Ocidente. Ishizuka, percebendo que no campo da alimentação e
medicina muitos dos conhecimentos antigos estavam sendo perdidos, resgatou-os e
apresentou-os com roupagem moderna e científica.
Do século XVII à primeira
metade do século XIX, o Japão isolou-se progressivamente do resto do mundo. A
ninguém era permitido sair do país ou a ele retornar, caso houvesse conseguido
deixá-lo. Estrangeiros que porventura se encontrassem em solo nipônico corriam
risco de vida; e mesmo náufragos na costa do país não eram tolerados. Somente um
punhado de comerciantes holandeses exercia sem maiores problemas suas
atividades econômicas numa minúscula ilha no porto de Nagasaki.
Para a maioria da
população, o sonho de estabilidade e paz internas se havia concretizado. Um
forte governo central sob o comando de um líder militar, o shōgun, mantinha o controle quase absoluto de um sistema feudal
complexo. A população dividia-se em quatro classes sociais fixas: samurais,
agricultores, artesãos e comerciantes – cada qual com seus direitos e deveres
específicos. Distúrbios políticos ou sociais, se havia, não alcançavam o menor
significado. A economia crescia, embora muito lentamente e dentro dos limites
de uma sociedade agrícola e feudal. Vários centros urbanos, incluindo Edo (hoje
Tóquio) e Osaka, desenvolveram-se, e neles uma rica cultura artística emergiu.
Literatura, pintura, teatro e artesanato atingiram níveis de excelência. A
cultura como um todo caracterizava-se por um refinamento estético talvez nunca
alcançado na história da humanidade. Da perspectiva do século XXI, o Japão do
Período Edo ou Tokugawa se assemelha a um exótico paraíso adornado de âmbar.
Em pleno século XIX era o
Japão, portanto, comparado ao Ocidente, um país ainda medieval, intocado pela
Revolução Industrial e Científica. A alimentação e a medicina refletiam esse
ambiente. A dieta havia mudado muito pouco durante os séculos. O arroz
representava a matéria-prima mais importante. Desempenhava ele um papel tão
central na vida da nação, que constituía a base do intercâmbio econômico. A
riqueza do senhor feudal era mensurada pela quantidade de arroz produzido
anualmente por suas terras. Considerava-se o arroz uma dádiva concedida aos
ancestrais sobre-humanos da nação diretamente pela deusa do sol. Um provérbio
muito comum à época ensinava: “O arroz é Buda.” Enquanto o grão parcialmente
polido alimentava os ricos, o grão integral saciava o comum dos homens. Os
pobres misturavam o arroz a outros cereais, como cevada e trigo, ou
reservavam-no para as férias ou emergências. Um ditado muito popular entre os
camponeses – “Chegou mesmo a dar-lhe arroz” – indicava que a doença que
atingira um pobre coitado era tão grave, que o autorizava a alimentar-se de
arroz. Dizia-se go-han, “honorável
arroz”, para referir-se a toda espécie de refeição.
Outro produto muito
apreciado era a soja, usada sob a forma de pasta fermentada (misso), molho fermentado (shoyu) e coágulo (tofu). Ingeria-se uma grande variedade de vegetais, e com o nabo
comprido japonês (daikon) e a
película de arroz (nuka) elaborava-se
uma deliciosa conserva chamada takuan.
Peixes e vegetais do mar eram também muito utilizados. Frutas, porém, não
constavam como parte importante da dieta, sendo a tangerina e o caqui as únicas
regularmente cultivadas.
Pouca carne era
consumida, dados os preceitos religiosos que a proibiam tanto por parte do
Xintoísmo autóctone quanto do Budismo importado por volta do ano 400 d.C.
Frango e aves selvagens representavam a maior parte do que se consumia em
termos de carne. A criação de animais de grande porte para abate era
virtualmente desconhecida. O gado criado destinava-se basicamente à tração
animal, pois a ideia de beber leite ou usá-lo para produzir manteiga ou queijo
era quase inconcebível. Em 1859, quando o embaixador americano Townsend Harris
reclamou uma vaca para beber-lhe o leite, o diplomata japonês escandalizou-se.
Ainda no período moderno, comportamentos semelhantes persistiam em determinados
rincões do país. Em sua autobiografia intitulada “A Filha do Samurai”, Etsuko Sugimoto
narra a própria infância no interior do Japão não muito depois da chegada de
Harris. Acreditava-se que o consumo de leite e seus derivados converteria o
homem em quadrúpede. Além disso, o uso da carne bovina incluía-se entre os atos
abomináveis. Quando o avô de Etsuko, por razões médicas, se viu obrigado a
ingerir carne, as portas do santuário da família foram fechadas a fim de que os
espíritos dos ancestrais não se sentissem insultados.
A medicina tradicional
baseava-se em ideias e práticas que remontavam à aurora da civilização chinesa.
Segundo essa tradição, a fisiologia e a saúde humanas devem ser entendidas a
partir da noção de Ki (Ch’i, em chinês), a energia vital que
permeia todo o universo e transmite vida ao corpo. O ki flui ao longo do corpo por canais conhecidos como meridianos. Há
dois meridianos principais, um na região frontal e outro na região dorsal do
corpo, além de seis nos braços e seis nas pernas. Cada um desses doze
meridianos se conecta a um órgão ou função do corpo, e o desequilíbrio em um
órgão manifesta-se como deficiência, estagnação ou excesso de Ki no meridiano que lhe é
correspondente. Era por meio do reequilíbrio, estimulando ou sedando os canais
energéticos, que as várias artes médicas tratavam as doenças. A acupuntura
lançava mão de agulhas de ouro ou prata inseridas em pontos estratégicos ao
longo dos meridianos com o propósito de regular o Ki. A moxabustão buscava estimular esses pontos queimando sobre os
mesmos pequenas quantidades da erva artemísia. No shiatsu, a estimulação e o reequilíbrio realizavam-se por
intermédio da pressão digital. Ervas também eram usadas, agindo internamente
sobre os órgãos. O objetivo dessas diferentes técnicas era o mesmo: estabelecer
um livre e harmonioso fluxo de Ki
através de todo o organismo, a fim de que o “Ki primordial”, genki
(termo sino-japonês para “saúde”) fosse reconquistado.
Outro braço dessa
tradição médica era a regulação pela dieta. Embora a maioria dos curadores a
usassem como medida suplementar a suas técnicas de resultado mais imediato,
algum deles a consideravam o tratamento por excelência. No filme “O Barba
Ruiva” (Akahige), o diretor Akira
Kurosawa se detém sobre a carreira de um médico do Período Tokugawa. Ainda que
devotado principalmente aos cuidados dos pobres, Barba Ruiva responde ao
chamado de um rico senhor feudal. O nobre– balofo e inchado– mal consegue
manter-se de pé. O médico encara-o friamente, cobra-lhe uma quantia exorbitante
(para manter sua clínica) e aconselha-o a não comer senão papa de arroz integral
por um período indefinido. A expressão de incredulidade na face gorducha do
homem comprova que a dietoterapia era um elemento secundário, e não principal,
na medicina do Japão pré-moderno.