Ode
ao Dente-de-Leão
“Hoje,
mais do que nunca, o dente-de-leão assume o papel de símbolo da resistência
contra a guerra declarada à natureza pelas grandes corporações. Em nenhum lugar
isso é mais evidente do que na campanha publicitária da Monsanto em torno do
herbicida Roundup (glifosato).”
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unca me esquecerei da batalha que fui obrigado a
travar contra uma espécie vegetal quando era ainda um pirralho. A época: meados da década de 1960. O lugar:
subúrbios da Filadélfia. A ação: o Sr. Edward Esko, meu pai, atribui a meu
irmão Jeffrey e a mim a tarefa de arrancar dentes-de-leão do jardim de nossa
casa. É primavera, e estimulados pelo cálido sol do médio-Atlântico,
dentes-de-leão de um amarelo brilhante salpicam o gramado verde até há pouco
imaculado.
A cada primavera, desde
que se mudara para o subúrbio, o Sr. Edward dedicava grande parte de seu tempo àquele
jardim, plantando grama e árvores, incluindo a sempre-viva e a cerejeira e o bordo
japoneses. Àquela época, um jardim bem cuidado era símbolo de status. Como milhões de outros
suburbanos do pós-guerra, o Sr. Edward provavelmente viu os dentes-de-leão como
intrusos que interferiam negativamente na estética de seu gramado.
Nossa primeira
campanha contra os dentes-de-leão foi decididamente de baixa tecnologia. O Sr.
Edward adquiriu uma ferramenta semelhante a uma chave de fenda com um garfo de
dois dentes na extremidade inferior. Em turnos alternados, ajoelhávamo-nos em
frente aos dentes-de-leão e enterrávamos o garfo da ferramenta no solo. Ao
acionar a outra extremidade do objeto, a planta era forçada a deixar o terreno.
Mas vencer a pertinácia do dente-de-leão em permanecer na terra exigia uma
força muscular considerável. Uma vez expulsa, a planta, incluindo a raiz, a
haste, as folhas e as flores amarelo-ouro, era jogada sem cerimônia no saco de
lixo.
A
campanha seguinte contra os “invasores” já contou com uma tecnologia mais
sofisticada. Não satisfeito com o método anterior, dependente de esforço braçal,
o Sr. Edward decidiu-se por uma solução química, adquirindo numa loja da região
um tubo plástico cheio de herbicida. Na extremidade inferior do tubo havia uma
espécie de agulha projetada para permitir a pulverização do líquido tóxico.
Bastava pressionar o dispositivo preso à sua extremidade superior para que o
veneno se espalhasse pelo solo.
Encarregados de dar vida
ao plano macabro, Jeffrey e eu fomos instados a interromper nossa prática de
guitarra e, muito contrariados, partimos em direção ao jardim. Diante de cada dente-de-leão, seguimos os
passos recomendados pelo fabricante do engenho sinistro. Logo intuímos que algo
estava errado. Os dentes-de-leão, coitados, até então firmes, vívidos e
esplendorosos, não tinham a mínima chance: atingidos pelo herbicida, murchavam
e finavam-se. Não havia necessidade de arrancá-los. Bastava pulverizar o líquido funesto e... adeus, dentes-de-leão!
Iniciei-me na
macrobiótica no começo dos anos 1970, e a partir daí aprendi cada vez mais a
valorizar o dente-de-leão, a bardana, as algas marinhas, o kuzu e outros
vegetais selvagens usados como alimento e remédio. Jamais me perdoei por ter
sacrificado aqueles dentes-de-leão nos anos 1960. Depois de décadas, graças à
influência da macrobiótica, o Sr. Edward tornou-se mais sensível aos movimentos
que preconizavam uma volta à natureza. Ele acabou percebendo a importância da
macrobiótica para o futuro do planeta e patrocinou várias de nossas atividades,
incluindo palestras e publicação de livros, até sua passagem em 2014 aos
noventa anos de idade.
Ao longo dos anos,
aprendi a preparar e apreciar as folhas de dente-de-leão. Elas são
especialmente benéficas na primavera. Anos atrás, numa encantadora manhã de
primavera, colhi dentes-de-leão de nossa propriedade em Berkshires. Depois de
limpá-los diligentemente, refoguei suas folhas no óleo de oliva com um pouco de
alho e, por fim, temperei tudo com molho de soja orgânico. O resultado foi um
prato simples, energético e... delicioso! As folhas de dente-de-leão têm um
sabor incrivelmente intenso. De tempos em tempos, compro folhas de
dente-de-leão orgânicas em entrepostos naturais, repito a receita e experimento
o mesmo prazer.
Durante séculos, as
folhas e as raízes do dente-de-leão têm sido consideradas como tônico para
saúde. Os dentes-de-leão estão repletos de nutrientes, entre eles as vitaminas
A, C, E, K, niacina e riboflavina e os minerais cálcio, potássio, ferro e
manganês. Constituem eles uma fonte riquíssima de betacaroteno. Suas flores
douradas contêm lecitina, substância que ajuda a desintoxicar o fígado.
O líquido leitoso e
branco que escorre de seu caule era tradicionalmente usado para aliviar as
dores causadas por picada de abelha. Com suas raízes, prepara-se um chá
tonificante do fígado e da vesícula biliar. Pode este chá ser usado também como
desintoxicante geral. Os benefícios do dente-de-leão são tão numerosos, já se
vê, que seria impossível mencionar todos eles aqui. Basta dizer que,
negligenciando este tesouro do reino vegetal, a sociedade moderna mostra-se totalmente
cega às virtudes terapêuticas da mãe natureza.
Hoje, mais do que
nunca, o dente-de-leão assume o papel de símbolo da resistência contra a guerra
declarada à natureza pelas grandes corporações. Em nenhum lugar isso é mais
evidente do que na campanha publicitária da Monsanto em torno do herbicida
Roundup (glifosato). O glifosato é o herbicida mais usado do planeta. Culturas
modificadas geneticamente, tais como a soja, o algodão e o milho, foram criadas
para multiplicar a venda do Roundup, agrotóxico cada vez mais relacionado a
danos à saúde humana e ao meio ambiente.
No famoso comercial da
Monsanto, um solitário dente-de-leão brota de uma fenda de calçada num subúrbio
qualquer. Um sujeito surge com um frasco de Roundup nas mãos. Anexada ao frasco
vê-se uma pequena mangueira. O sujeito parece estar furioso com a “praga” que
cresceu em sua calçada. Vociferando que “a única praga boa é a praga morta”, direciona
a mangueira para o dente-de-leão e sobre ele borrifa o agrotóxico. Boom! O
dente-de-leão murcha e morre. Ouve-se então uma guitarra elétrica típica dos filmes de cowboy...
Paradoxalmente, assim
como pesquisas apontam o Roundup da Monsanto como um possível causador do
câncer, outros estudos revelam as propriedades anticancerígenas do
dente-de-leão. Testes com o extrato da raiz de dente-de-leão estão em andamento
no Windsor Cancer Centre, no Canadá.
Ao tratamento de trinta pacientes com linfoma e leucemia foi incorporado um
extrato especial de raiz de dente-de-leão. Para obter informações sobre tais
pesquisas com o dente-de-leão, acesse http://www.cbc.ca/news/canada/calgary/calgary-anticancer-tea-1.3370691.
Proponho aos que se
opõem à Monsanto ao redor do mundo que adotem o dente-de-leão como símbolo de
sua louvável atitude. Na verdade, proponho que batizem o movimento de Resistência Dente-de-Leão.
Os leitores que
desejarem usufruir os benefícios do dente-de-leão podem preparar suas folhas de
várias maneiras. Elas podem ser cozidas no vapor, refogadas com azeite, alho e
shoyu ou usadas em saladas. E com a raiz de dente-de-leão faz-se um café
tonificante especialmente indicado para doenças cardíacas e desequilíbrios do
sistema nervoso.
Ed Esko