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que comer bem é um ato de desobediência civil
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uma revolução em curso. Não se trata de um conflito violento, mas sim de uma
pacífica rebelião culinária. Dar-lhe-ei, leitor, um exemplo. Numa cidade com
aproximadamente oito mil habitantes, existe um grupo chamado Clube do Pão. (Não
posso identificar a cidade, sob pena de impedir a continuidade do grupo.) O
Clube do Pão nascera em 2002 como ponto de venda dos pães artesanais produzidos
por B. (é prudente também não identificá-lo), um entusiasta dos processos
fermentativos com quem topei em minhas andanças.
Desde o começo houve um aspecto marginal envolvendo a
distribuição das fornadas de B. Ele confidenciou-me que, se pudesse, exerceria
seu trabalho de acordo com a lei. O fato é que, em se tratando de uma produção
em pequeníssima escala, não lhe seria possível obedecer ao que a lei impõe.
Para instalar um forno dentro dos padrões legais, teria que contrair dívidas
consideráveis e depois assar o próprio traseiro para pagá-las, ou seja,
trabalhar sete dias por semana e 24 horas por dia. Provavelmente acabaria
odiando assar pães e contratando outras pessoas para fazê-lo. Tornar-se-ia,
enfim, um empresário responsável. Para não correr este risco, ele preferiu
encarnar o papel de padeiro fora da lei. Depois de anos mantendo seu estilo
marginal de produzir pães, B. continua amando o que faz e ainda é remunerado
por isso. Julgo que todos os subempregados ganhariam se abandonassem seus trabalhos
e se dedicassem a algo semelhante. Libertar-se-iam, ao menos, da condição servil
em que se encontram. Não deixariam de ser, porém, tachados de infratores...
As leis atuais dificultam bastante, senão totalmente, a
produção e distribuição em pequena escala de alimentos artesanais. Vender pão
caseiro ou qualquer outro alimento elaborado numa cozinha doméstica é proibido
pela maioria dos códigos sanitários dos diversos países. Se um pequeno
fazendeiro pretende vender a carne do gado que cria, não poderá abatê-lo: terá
de transportá-lo até um matadouro comercial. Se um pequeno produtor de leite e
seus derivados pretende vendê-los, terá de submetê-los à pasteurização,
processo que diminui a qualidade nutricional, a digestibilidade e o sabor
daqueles alimentos. Quanto aos
produtores de cidra, a exigência consiste em pasteurizar ou irradiar a bebida.
Em outras palavras, o alimento autêntico, cada vez mais fora da lei, está sendo
substituído invariavelmente pelos produtos industrializados. Leis que ditam
padrões alimentares são determinadas pelo modelo de produção em massa, no qual
uniformidade e esterilidade são tudo, condenando grande parte do comércio local
de alimentos autênticos à ilegalidade. Comer bem, portanto, tornou-se um ato de
desobediência civil. E o Clube do Pão constitui, sem dúvida, uma trincheira de
resistência política.
Nas primeiras semanas, o Clube do Pão serviu apenas como
ponto de venda dos sessenta pães assados por B. Mas nas semanas subsequentes as
pessoas já não iam embora imediatamente após conseguirem seus pães: permaneciam
lá trocando ideias e experiências gustativas e culinárias, especialmente depois
que T. e M. começaram a trazer seus queijos de cabra artesanais. Hoje o Clube
do Pão disponibiliza leite cru (não pasteurizado), ovos caipiras e produtos
sazonais de vários agricultores. Ocasionalmente, podem-se encontrar salmões
pescados localmente, algas coletadas a poucos quilômetros, cogumelos selvagens,
além de méis e vinhos caseiros. Os membros ainda trazem pratos elaborados por
eles mesmos, tais como quiches, muffins,
cheesecake, rolinhos de canela e
tortas variadas.
Sandor Katz