domingo, 13 de janeiro de 2019

Sagen Ishizuka: A Potência Transformadora do Alimento (Parte Quarta)



Sagen Ishizuka:

                    A Potência Transformadora do Alimento 
                                             (Parte Quarta)


                                                                                                     Ronald E. Kotzsch

                                                                                                                                       
Ishizuka também sofreu forte influência de Nanboku Mizuno. Nanboku tornou-se bastante conhecido no final dos anos 1700. Foi ele um pioneiro da fisiognomonia, estudo das relações entre as características físicas e a personalidade dos indivíduos. Para aprofundar-se nesta arte, Nanboku passou anos trabalhando como barbeiro, depois como assistente em instalações públicas de banho, e finalmente como ajudante num crematório. Em tais empregos, teve ele a oportunidade de observar uma legião de indivíduos e correlacionar-lhes o padrão constitucional e os traços fisionômicos com o destino e a personalidade. Em 1788, os primeiros cinco volumes de seu “O Método Nanboku de Fisiognomonia” viriam a lume. Em 1805, os cinco últimos seriam publicados.

A arte de Nanboku consistia fundamentalmente em revelar o caráter de uma pessoa, assim como seu passado e futuro, através da observação minuciosa de sua aparência física. Seus livros trazem longas seções sobre o significado de vários tipos de nariz, olhos, orelhas, boca, cabeça e sinais incomuns. Por exemplo, narinas extremamente alargadas indicam uma pessoa muito enérgica, talvez agressiva; já uma pinta na bochecha esquerda denuncia um tagarela. Nanboku afirmava que, enquanto nossa estrutura fisionômica é em grande parte herdada, nossa aparência é radicalmente influenciada por nossa alimentação e estilo de vida. Este ponto de vista bem como a ideia de que a fisiologia está intimamente relacionada à psicologia, ao comportamento e mesmo à espiritualidade influenciaram sobremaneira a Ishizuka.

Provavelmente Ishizuka deixou-se inspirar também pela obra de Ekken Kaibara, filósofo, escritor e divulgador do pensamento e da moral confucianos que viveu entre 1630 e 1714. Kaibara escreveu sobre uma ampla variedade de temas, incluindo filosofia, educação, ética e história natural. Sua obra “Regras para Nutrir a Vida” consiste num manual prático de higiene e cuidados para com a saúde. Amplamente lida no Período Edo, converteu-se num clássico da medicina e sabedoria populares. Embora Ishizuka não a mencione em seus próprios escritos – e tampouco o faça Ohsawa em sua biografia de Ishizuka–, muito provavelmente a obra teve grande influência sobre o pensamento do precursor da macrobiótica. É inconcebível que, na qualidade de sério estudante da medicina tradicional, não tenha Ishizuka compulsado desde cedo o famoso volume.

Os ensinamentos médicos e práticos de Kaibara baseiam-se largamente nos antigos textos chineses, incluindo o Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo. Uma de suas ideias centrais insiste em que, dos diversos fatores que afetam nossa saúde, o alimento e a bebida são os mais importantes. Para defendê-la, cita um antigo ditado: “Se a calamidade sai pela boca, a doença por ela entra.” Afirma que “de tudo o que comemos e bebemos, o mais importante é o arroz.” Podemos suplementá-lo com carne e vegetais; “a carne, ingerida raramente, não traz consequências funestas.” Citando ainda os antigos, escreve: “Os cereais devem prevalecer sobre a carne”, “a carne dos quadrúpedes revela-se prejudicial aos japoneses, dada a debilidade de seus intestinos e estômago.”

A essência da terapêutica de Kaibara reside no autocontrole e na moderação, seja no beber e no comer, seja na atividade sexual, no dormir e na conversação. Dever-se-ia comer apenas quando a sensação de fome estivesse claramente presente, e só o correspondente a 80% da capacidade do estômago. Não se deveria dormir logo após as refeições, mas sim executar alguma atividade leve, sendo a caminhada uma excelente opção. Seria aconselhável ainda diminuir deliberadamente a frequência da atividade sexual com o passar dos anos. Recomendar-se-ia também não dormir muito nem deixar-se levar pela tagarelice. O segredo da saúde e da longevidade está, pois, em controlar esses desejos e evitar as sete emoções extremas: alegria desmesurada, raiva, preocupação, tristeza, medo, melancolia e espanto. Procedendo assim, seria o homem capaz de conservar a vitalidade e viver uma longa vida, livre de doenças e debilidades.

Segundo Kaibara, a vida do homem pode e deveria ser longa e feliz. Poderia o homem chegar, segundo Kaibara, tranquilamente aos cem anos. Se alguém pratica o Yōjōhō (“método para nutrir a vida”), isso pode muito bem ser concretizado. E durante esse tempo, o homem deveria ser feliz e saudável, capaz de experimentar prazer infinito mesmo nas coisas simples do dia a dia, como ler poesia, contemplar a natureza e a mudança das estações, comer vegetais cultivados em seu próprio quintal, beber saquê (moderadamente, é claro!). “Afinal de contas, deleite e prazer são coisas a que o Céu e a Terra destinaram os seres viventes, e de que os homens já nasceram dotados.” Kaibara é um defensor da moderação, não do ascetismo. Para ele, uma vida curta ou enferma constitui uma calamidade que o homem atrai para si mesmo mediante a imprudência e a autoindulgência. É uma espécie de suicídio.